Considerações Finais
Procurámos aqui explorar, de forma introdutória, algumas das linhas de força que permitem pensar a sala de aulas contemporânea como um sistema de cognição distribuída. Esta incursão exploratória permitiu perceber como essa concepção, não deixando margem a visões parciais sobre valor abstracto de tecnologias concretas, se pode aproximar de várias outras abordagens pós-cognitivistas (como a teoria de actividade, a embodied cognition e a etnografia) como complemento para o desenvolvimento de modelos úteis de comunicação tecnologicamente mediada no contexto do ensino superior. Como para outros contextos em que a mediação informacional é essencial, também aqui se impõe uma análise alargada a indivíduo(s) e artefacto(s). Foi essa a nossa premissa.
Uma presença forte do online na sala de aula proporciona oportunidades para desenvolver uma forma de literacia digital assente em metodologias de colaboração, cujo objectivo seria a apropriação criativa e significativa dos conteúdos. Longe de tornar obsoleta a sala de aula, o professor e as instituições de ensino, as TIC despertaram, sobretudo, a necessidade de repensar papéis e procedimentos. De facto, há um equilíbrio a encontrar entre a aquisição (legitimadora) de conhecimento e a aprendizagem criativa do mundo da vida. Não é difícil perceber que as múltiplas utilidades das redes se prestam a cruzamentos de papéis, legitimidades e métodos de aquisição, distribuição e processamento de informação. O desafio colocado à transmissão de conhecimento (particularmente se esta for vista como um acto emancipatório, isto é, um gesto de e para a liberdade) não se encontra na sua utilização (facto inelutável), mas sim na apropriação das tecnologias, que na relação discursiva que caracteriza a cognição distribuída é vista como necessária para o funcionamento do sistema sócio-tecnológico. A noção de cognição distribuída, tal como é aqui apresentada, pode constituir um elemento fundamental na instituição de um novo olhar sobre a natureza das relações de comunicação em contextos de aprendizagem.
Sob este ponto de vista, tanto o uso dos recursos informacionais como a própria forma da interacção em sala de aula podem ser negociados; isto é, a multiplicidade das focos de informação (e de atenção) torna particularmente relevante uma construção social de papéis e de procedimentos38 que possa integrar, em vez de simplesmente ignorar ou tentar suprimir, a distribuição desses recursos e a concomitante alteração discursiva das formas de interacção. A implementação de novas tecnologias não é necessariamente disruptiva ou desestabilizadora39, apesar de poder surgir como tal, quando a estrutura de poder instituída é inerentemente assimétrica e, sobretudo, demasiado rígida. Assim, a perspectiva da CD é útil não apenas para a compreensão da introdução de novas concepções de aprendizagem através das TIC, mas também como método para uma utilização das diversas ferramentas e aplicações que os artefactos electrónicos disponibilizam (por exemplo, a colaboração em wikis, blogues, montagens e remisturas audiovisuais, taxonomias sociais ou folksonomias – e outras práticas colaborativas, on– e offline, que podem ser objecto e veículo metodológico de teste desta abordagem teórica). A passagem para formas de trabalho colaborativas não tem de corresponder a uma abolição anarquizante dessa assimetria. Não é sempre possível (ou desejável) que a colaboração implique a ausência de coordenação; de acordo com a perspectiva da cognição distribuída, o próprio carácter negocial (construído) das trocas simbólicas sugere que essa coordenação se encontra no cerne das práticas de interacção entre agentes humanos e tecnologias cognitivas – nomeadamente, incorporados nos protocolos de utilização e interacção simbólica que instauram a significação no sistema.