A forte influência das tecnologias de informação e comunicação não deixou incólumes as salas de aula. A utilização regular das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) apresenta-se como um dos grandes desafios a uma literacia digital que se pretende definir pelas competências de acesso e uso mas, sobretudo, de apropriação criativa e produtiva de informação qualitativamente superior. A introdução destas tecnologias nas instituições de ensino, numa época caracterizada pela instabilidade e redefinição de papéis sociais tradicionais – incluindo o papel das instituições e dos actores do ensino – implicou uma mudança estrutural na transmissão de conhecimento, redefinindo formas de acesso (essencialmente, tornando-o mais rápido, económico e democrático).
O conceito de cognição distribuída (CD) sintetiza a integração (de certo modo, simbiótica) entre sistemas de processamento de informação e o seu ambiente – incluindo nestes sistemas a cognição humana no sentido estrito (interno) e os artefactos utilizados em tarefas de natureza cognitiva. Neste acepção mais lata da cognição, os elementos externos podem ser considerados parte relevante dos processos cognitivos. Para a CD, a capacidade de incorporar informação e colaborar com outros elementos integrados numa rede cognitiva, humanos ou artificiais, é fundamental para o processamento e circulação da informação e conhecimento.
Ora, esta é a própria definição do trabalho nas sociedades contemporâneas, em que a distribuição dos meios de produção e da informação segue uma organização reticular tecnologicamente mediada, geralmente apontada como a característica definidora das sociedades contemporâneas.1Neste sentido, já em 1998, Douglas Kellner escreveu:
This technological revolution, centering on information technology, is often interpreted as the beginning of a knowledge society, and ascribes education a central role in every aspect of life. This Great Transformation poses tremendous challenges to education to rethink its basic tenets, to deploy the new technologies in creative and productive ways, and to restructure education in the light of the metamorphosis we are now undergoing.2
Nesta transformação, os indivíduos passam a dispor de um grau de acesso ao conhecimento que desafia seriamente o paradigma prévio de competências de avaliação, selecção e organização de informação – fundamentalmente transmitidas por professores e certificadas pelas instituições de ensino. Este desafio a uma ordem discursiva unilateral (e institucionalizada) é a origem do problema da «apropriação criativa» da informação, ao qual, segundo Kellner, apenas uma «pedagogia crítica» permitiria responder.
Além dos factores materiais directamente envolvidos, como a massificação de dispositivos móveis (como o computador portátil, os telemóveis inteligentes, etc.), podemos ainda considerar como elemento central a democratização (ainda incompleta) do acesso à Internet e a sua mobilização como recurso educativo dentro e fora da sala de aula. Com efeito, não é invulgar observar salas de aula saturadas de computadores portáteis, simultaneamente usados para tomar notas e para pesquisar informação (com maior ou menor eficácia) durante o decorrer da própria sessão. Por outro lado, trata-se de um recurso facilmente utilizável em múltiplos contextos de aprendizagem informal.
A simultaneidade é um dos factores-chave das mudanças. É possível argumentar que uma das alterações fundamentais trazidas pela tecnologia não se encontra na forma como se toma notas, ou como se efectua o processamento de bibliografia, estando sim na disponibilidade acessível de vastas quantidades de informação – que passa a ser completamente instantânea. Podemos perspectivar a prática lectiva como uma conversa alargada entre professor, alunos e um repositório de informação online vasto e permanentemente acessível, mas de natureza caótica sem o reequacionar dos diferenciais de capital cultural e social presentes nesta nova ecologia. Daí que autores como Kellner e outros3 tenham vindo a reivindicar, desde há pelo menos uma década, a necessidade da definição de novas literacias e práticas pedagógicas cultural e tecnologicamente inclusivas.
O objectivo deste trabalho é encontrar os traços gerais dos processos sócio-tecnológicos da comunicação no novo modelo de comunicação interactiva na sala de aula. Centrando a nossa atenção nas tarefas comunicacionais de docentes e discentes, veremos como esta descrição tem sido reconhecida como factor problemático e estratégico quer para estudos sobre educação e pedagogia, quer ainda para a compreensão das práticas comunicacionais tecnologicamente mediadas da sala de aulas contemporânea.
A noção de «cognição distribuída», cujas raízes assentam na aplicação etnometodológica de esquemas conceptuais provenientes da abordagem cognitiva do tipo «processamento distribuído paralelo»4, permite-nos elucidar um pouco melhor a transformação a que D. Kellner se refere , sobretudo pela sua aplicação ao campo de estudos de Computer-Supported Cooperative Work (CSCW). O estudo centrar-se-á na reestruturação da comunicação e dos fluxos de informação, no que diz respeito aos efeitos da disponibilidade de informação na natureza do trabalho e papéis simbólicos dos intervenientes.