1. A influência digital e as novas relações de poder
O advento das redes sociais possibilitou que o conceito de aldeia global de McLuhan (1974) ganhasse maior amplitude com a criação das comunidades virtuais nas diferentes plataformas existentes, capaz de conectar pessoas em diferentes lugares do globo em torno de assuntos em comum ou até mesmo do compartilhamento da admiração por uma determinada pessoa.
McLuhan apresenta, no conceito de aldeia global, a ideia de que as distâncias do mundo seriam encurtadas transformando-o em uma grande aldeia, capaz de reunir pessoas em diferentes lugares através dos meios de comunicação. Neste caso, tendo os televisores como a ferramenta de comunicação de massa. Entretanto, hoje são as redes sociais que de fato estabelecem o conceito de uma comunidade global por possibilitarem o estabelecimento de conexões em tempo real. Estar em comunidade é estar seguro.
A criação e manutenção de comunidades é descrito por Weber como “uma relação social, na medida em que a orientação da ação social baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos participantes” (1987, p. 77). Enquanto que, sob a perspectiva da necessidade humana de pertencimento, Bauman (2001, p. 197) apresenta como conceito de comunidade ideal um mundo completo que possa oferecer aos seus comunitários tudo o que é necessário para se ter uma vida significativa e compensadora. Ao ter como base as comunidades virtuais que se potencializam a partir das plataformas de redes sociais, é possível identificar o surgimento de um novo ator social entre os “formadores de opinião”: os influenciadores digitais.
Embora Karhawi defenda que “não é possível falar de influenciadores digitais, nos moldes que os vemos hoje, em nenhum tempo que não o nosso” (2017, p. 48), é possível perceber que as comunidades digitais se estabelecem num contexto em que um novo líder da comunidade surge, o influenciador digital, e que oferece aos seus seguidores: informação, inclusão e sentimento de pertença, num novo mundo sem corpo, mas onde todos querem estarem seguros.
Portanto, o entendimento dos influenciadores digitais como líderes de comunidades remonta ao conceito de retribalização, presente na aldeia global de McLuhan (1974), em que os media perdem o monopólio enquanto meio de comunicação de massa com o surgimento de novos meios de superar as barreiras linguísticas, geográficas e culturais. Com isso, surgem novos mediadores nas relações de comunicação de massa, possibilitando que indivíduos tidos como comuns se tornem vozes ouvidas pela massa através das plataformas sociais – e, posteriormente, podendo extrapolar a bolha digital para o mundo offline.
2. Os influenciadores digitais e as marcas
A recente efervescência em torno da influência digital e a discussão do tema sob a ótica da publicidade promove alguns entendimentos baseados nas métricas das redes sociais, como apresentado por De Veirman, Cauberghe & Hudders (2017, p. 807) e Cardoso (2016, p.10) em que os influenciadores digitais são pessoas com uma grande quantidade de seguidores que os torna reconhecidos e com capacidade de influenciar seus seguidores. Num ambiente com diferentes atribuições do trabalho (na comunidade), o papel dos influenciadores digitais é o de, obviamente, influenciar pessoas, poupando-lhes tempo na procura de soluções e na busca de uma comunidade de que se sintam parte. Karhawi (2017, p. 48) descreve os influenciadores digitais como “aqueles que têm algum poder (no processo de decisão de compra de algum sujeito); poder de colocar discussões em circulação; poder de influenciar em decisões relacionadas com o estilo de vida, gostos e bem culturais daqueles que estão em sua rede”. Estamos perante um agente político que exerce poder na comunidade que cria a partir da credibilidade que emana e que é medida em função da qualidade da informação que divulga.
Vista a relação simbiótica que existe entre os influenciadores digitais e suas respectivas comunidades virtuais e o poder de influência que é exercido, Serra (2006, p. 4) apresenta uma definição de comunidade e sociedade que pode se aplicar diretamente ao trabalho dos influenciadores digitais em sua essência, quando diz que “contrastando com a comunidade, em que a associação dos homens tem uma base ‘natural’, na sociedade a associação entre os homens é ‘artificial’, concentrando-se na possibilidade da troca de bens e serviços por outros bens e serviços”. Neste sentido, os influenciadores digitais constroem uma relação natural com a sua comunidade, enquanto atuam como uma espécie de líder comunitário, ao passo que, por estarem inseridos em uma sociedade, também estabelecem uma relação artificial, uma vez que a publicidade se torna uma possibilidade de monetização da influência que exercem sobre os seus seguidores.
A dinâmica de trabalho dos influenciadores digitais, invariavelmente, é pautada pela visibilidade que é alcançada ao longo do tempo – uma vez que esta é uma das métricas utilizadas pelas marcas na hora de realizar os seus investimentos em comunicação com influenciadores. Porém, a visibilidade mediática é baseada na identidade criada e representada pelo interlocutor que se expõe à opinião pública, seja qual for o seu objetivo final (Fidalgo, 2007 p. 5). Nesse contexto, Fidalgo (2007) descreve que “o que o personagem é, o que o distingue dos outros, não se funda na história pessoal ou nos condicionamentos reais de quem assume o papel, mas na função desse próprio papel, no contexto da representação, na trama da narrativa a contar”. E, nesse papel que representa, o influenciador é fundamental para diminuir a dúvida, a insegurança, o medo. Uma parcela fundamental do trabalho do influenciador é originada a partir da construção de uma identidade que seja reconhecida pela sua comunidade e o público em geral como credível, estabelecendo, assim, uma relação de confiança através da sua comunicação.
De fato, a construção de comunidade remonta à etimologia da palavra comunicar, communicare, cuja definição unitária sugere agrupar diferenças da partilha do comum (Mateus, 2010, p. 136) em que o influenciador, através da comunicação, reúne um grupo de pessoas – que podem ter trajetórias diferentes – em torno de um mesmo interesse ou, na perspetiva cristã, de koinoonia, comunicar é pôr em comum.
Este crescimento da influência de pessoas desconhecidas e sem conhecimento especializado nas redes, tem levado a uma preocupação por parte de organizações offline. A Direção-Geral do Consumidor (DGC) em Portugal (2019) publicou um guia com o direcionamento de boas práticas para a realização de comunicação comercial em meios digitais, através do marketing de influência e suas respectivas sinalizações de conteúdo patrocinado. Também há momentos em que as menções às marcas por parte dos influenciadores, de facto, são oriundas de suas experiências pessoais enquanto consumidores (De Sousa Simas & de Souza Junior, 2018 p. 25) sem que haja uma relação comercial entre as partes. No entanto, esta relação entre influenciador e influenciado, que aparenta ser rentável para ambas as partes, parece ser mais lucrativa para o influenciador (que tem lucro financeiro) do que para o influenciado (que se sente parte de uma comunidade), mas que tem apenas a seu favor o facto de correr menos riscos nas escolhas. Mas que tem também menos liberdade.
O desenvolvimento do trabalho dos influenciadores digitais no âmbito da publicidade tem “definido novas possibilidades de atuação no mercado da Comunicação. Desde novas atividades profissionais, até novos formatos de relacionamento entre consumidores e marcas”, conforme apresentado por Peres & Karhawi (2017, p. 1676) ao mapear as relações entre influenciadores digitais e marcas. O estabelecimento dessas relações na esfera comercial possibilitam a participação dos influenciadores digitais em campanhas publicitárias e ações de marketing que, efetivamente, são criadas a partir da perspectiva da influência que eles exercem diretamente sobre suas comunidades. O interesse das marcas na inclusão de influenciadores digitais em suas comunicações pode ser visto sob três diferentes formas de capital, como definidas por Bourdier (1997) e apresentadas por Karhawi (2017):
Para ser capaz de influenciar, em alguma medida, um grupo de pessoas, pressupõe-se um destaque, prestígio; algum tipo de distinção em meio ao grupo. Essa compreensão nos é dada com base nas noções de capital de Bourdieu (e suas discussões mais amplas sobre campo). Para o autor, a depender do campo colocado em análise, […] capital pode se apresentar em três formas fundamentais: como capital econômico que pode ser convertido, direta e imediatamente, em dinheiro e pode ser institucionalizado sob a forma de direitos de propriedade; como capital cultural que é convertível, sob certas condições, em capital econômico e pode ser institucionalizado sob a forma de qualificações educacionais; e como capital social, constituído por obrigações sociais (“conexões”), que é convertível, em determinadas condições, em capital econômico e pode ser institucionalizado sob a forma de um título de nobreza (Bourdieu apud Karhawi, 2017, p. 55, tradução da autora).
Com o Marketing 3.0 de Philip Kotler (2010), as relações entre consumidores e marca são ainda mais estreitadas, especialmente no momento em que o engajamento se torna uma importante métrica de mensuração de resultados para o entendimento da relação existente entre o indivíduo e a marca (Coelho, de Almeida, Gomes & Camargo Filho, 2017). Neste caso, sendo a marca o influenciador digital e o indivíduo membro integrante da sua comunidade, a presença dos influenciadores digitais nas redes sociais pode se tornar mais planejada e menos orgânica de modo a atrair e manter a atenção da sua audiência, como apresentado por Crary (2014):
A intensidade da competição diária por acesso a horas de vigília de um indivíduo e o controle delas é resultado da enorme desproporção entre os limites humanos, temporais, e a quase infinita quantidade de “conteúdo” à venda. […] A economia da atenção dissolve a separação entre o pessoal e o profissional, entre entretenimento e informação, desbancados por uma funcionalidade compulsória de comunicação inerente e inescapavelmente 24/7. (Crary, 2014, p.41)
A busca pelo engajamento por parte dos influenciadores digitais de modo a consolidar a sua relevância é incentivada pelas plataformas, uma vez que quanto maior o tempo de permanência do usuário na plataforma mais conteúdos são produzidos, mais dados são coletados, que auxiliam o desenvolvimento dos algoritmos e, consequentemente, contribui para o aumento das receitas da plataforma (Bentes, 2019). Este desenvolvimento algorítmico baseado no engajamento dos indivíduos nos conteúdos publicados caminha para uma exposição seletiva de conteúdos (Kaufman & Santaella, 2020), que resulta no fortalecimento das comunidades virtuais dos influenciadores digitais, mas não somente. O esforço empenhado para a manutenção da presença nas redes sociais é desgastante a nível físico e mental e pode levar ao extremo esgotamento, ou “enfarte da alma” como bem reflete o filósofo coreano em A Sociedade do Cansaço (Han, 2015, p. 50).
Num mundo hiperconectado, a internet propicia a interação entre pessoas, marcas e consumidores de forma instantânea e imediata (Limeira, 2010, p. 13), de modo a descentralizar o poder da influência antes atribuída às celebridades que, por serem figuras mediáticas, atraíam o interesse do público e exerciam a sua influência sobre ele (Ferreira, 2018, p. 27). As celebridades mediáticas continuam a existir no contexto digital, porém agora dividem o espaço e a atenção do público com os influenciadores digitais ou, na nossa perspetiva, como novos líderes comunitários.
A confiança é a cola que une a comunidade em torno de um influenciador digital e que, de fato, possibilita o exercício da influência (Karhawi, 2021, p. 47). Ao ser legitimado pela sua comunidade, e consequentemente, pelo mercado, o influenciador digital passa a ser reconhecido por ter a confiança da audiência que o acompanha e endossa o seu trabalho. O processo para estabelecer uma relação de confiança com a sua comunidade, está diretamente ligado ao conteúdo que é compartilhado, seja qual for a natureza, mas que promove um sentimento de identificação e conexão (Silva & Tessarolo, 2016, p. 7).
Em entrevista à versão brasileira da publicação El Pais, em 2016, Bauman traz luz a uma discussão que atualmente ressoa ainda mais na sociedade moderna, no sentido de destacar um lado das redes sociais que se faz presente na realidade do consumo de conteúdos:
O diálogo real não é falar com gente que pensa igual a você. As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia. Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que vêem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha (Bauman, 2016).
No seguimento desta afirmação de Bauman é possível identificar que, a partir da criação de conteúdo nas redes sociais e a manutenção de suas respectivas comunidades virtuais por parte dos influenciadores digitais, surgem as chamadas bolhas identitárias que, conforme definidas por Salgado (2011, p. 46), e a partir da análise da obra de Rieder (apud 2010, p.45-47), ocorrem a partir da formação de uma identidade digital de um indivíduo, neste caso o influenciador. Estas bolhas identitárias facilitam a identificação e a conexão das comunidades, personificadas no papel dos seguidores, com o indivíduo que se propõe a compartilhar sua versão digital nas redes sociais.
McLuhan também foi capaz de descrever os efeitos que a influência digital pode causar nos usuários sob a perspectiva da alienação e da perda do sentido crítico, quando diz que “a aceitação dócil e subliminar do impacto causado pelos meios transformou-os em prisões sem muros para seus usuários” (McLuhan, 1974, p. 36). Num paralelismo com o momento presente da influência digital, o poder que os influenciadores digitais exercem através das redes sociais em suas respectivas comunidades pode se tornar nocivo para a manutenção da sociedade, que se torna passiva e prisioneira dos algoritmos, se não for eticamente conduzida pelos envolvidos neste ecossistema.
A relação estabelecida entre os influenciadores digitais e suas comunidades, permite ampliar o entendimento da engenharia do consenso como descrita por Bernays (1947), em que os influenciadores digitais, enquanto parte da sociedade, têm a liberdade de persuadir e sugestionar a sua audiência:
Any person or organization depends ultimately on public approval and is therefore faced with the problem of engineering the public’s consent to a program or goal. […] The engineering of consent should be based theoretically and practically on the complete understanding of those whom it attempts to win over. But it is sometimes impossible to reach joint decisions based on an understanding of facts by all the people. […] In certain cases, democratic leaders must play their part in leading the public through the engineering of consent to socially constructive goals and values. (Bernays, 1947, p. 114)
A concepção da liberdade de persuadir pessoas e também de monetizar a sua relevância, traça uma linha ténue para a percepção da credibilidade dos influenciadores digitais, num contexto em que a sua identidade social é o produto/serviço a oferecer para a sua comunidade e, consequentemente, para marcas e anunciantes. Tendo em consideração que, segundo Karhawi, “os influenciadores digitais fazem parte de um espaço social de relações marcadas por disputas pelo direito à legitimidade, ‘ser influente’, poder dizer algo, ter legitimidade num campo, não é um fato dado, mas construído” (2017, p. 55), a consolidação da legitimidade para exercer a influência a que se propõem os influenciadores digitais, baseia-se essencialmente na construção da credibilidade.
3. Construção da credibilidade em ambientes digitais
A realidade digital possibilita a interação entre pessoas que, num mundo físico, dificilmente seria possível. E é neste cenário que surgem os influenciadores digitais, pessoas comuns que se tornam públicas a partir dos conteúdos que partilham em suas redes sociais. Este fenómeno social é apresentado por Freitas (2016, p. 81) como a sociedade da exposição em que “o conteúdo pode ser partilhado de forma livre, sendo o conteúdo inclusive sobre o próprio indivíduo que o produz, e posto nas redes sociais”.
O movimento digital apresenta uma nova perspectiva das dinâmicas sociais mais antigas, como a de agregar pessoas através das conexões geradas nas redes sociais. Portanto, os influenciadores digitais, como conectores que lideram suas comunidades, são de fato responsáveis pela disseminação da informação em determinados grupos (Recuero, 2009, p. 87). Desta forma, ainda que haja uma efemeridade digital, dado o volume de informações compartilhadas e a velocidade das transformações, a construção da credibilidade passa invariavelmente pela reputação que é construída ao longo do tempo.
A reputação contribui para a credibilidade, desde que esta seja estabelecida numa percepção positiva, e pode ser facilitada pela relação criada através das redes sociais, como define Recuero:
A reputação é aqui compreendida como a percepção de alguém construída pelos demais atores e, portanto, implica três elementos: o “eu” e o “outro” e a relação entre ambos. O conceito de reputação implica diretamente com o fato de que há informações sobre quem somos e o que pensamos, que auxiliam outros a construir, por sua vez, suas impressões sobre nós. (…) A reputação, assim, pode ser influenciada pelas nossas ações, mas não unicamente por elas, pois depende também das construções dos outros sobre essas ações. Um dos pontos-chave da construção de redes sociais na Internet é, justamente, o fato de os sistemas que as suportam permitirem um maior controle das impressões que são emitidas e dadas, auxiliando na construção da reputação. Assim, uma das grandes mudanças causadas pela Internet está no fato de que a reputação é mais facilmente construída através de um maior controle sobre as impressões deixadas pelos atores. Ou seja, as redes sociais na Internet são extremamente efetivas para a construção de reputação. (Recuero, 2009, p. 109)
A credibilidade, porém, não se pauta apenas pela percepção dos demais. A base fundamental para a compreensão da credibilidade advém da retórica clássica, como definida por Aristóteles e apresentada por Gonçalves (2009):
Na concepção clássica de retórica, a persuasão é considerada um processo através do qual o orador, dotado de um certo carácter ou credibilidade (ethos) procura levar um determinado auditório, com as suas emoções próprias (pathos), mediante um discurso com um certo conjunto de argumentos lógicos (logos), a fazer um juízo relativo a uma determinada acção, à condenação ou absolvição de alguém, à apreciação ou depreciação de alguém ou alguma coisa. (Gonçalves, 2009, p. 161)
Ao transportar os conceitos da retórica aristotélica para os dias de hoje, sob a óptica da credibilidade, Paulo Serra (2006b, p. 2) a apresenta não como um resultado, mas sim como uma atividade, atribuindo-lhe, assim, um caráter de acção. Desta forma, o autor sinaliza a credibilidade como um processo em constante movimento e estabelecido a partir de uma relação bipolar (entre dois pólos) que se retroalimentam na dinâmica social.
Sendo a credibilidade uma componente indissociável para o processo persuasivo, conforme definido por Aristóteles, “o discurso e a acção formam dois pólos indissociáveis pelos quais os homens se manifestam, não enquanto objetos de um mundo, mas enquanto homem. Através deles, o homem revela-se e age, ou seja, é capaz de se realizar a si mesmo” (Mateus, 2011, p. 19). Na realidade dos influenciadores digitais, neste caso, o discurso praticado em suas redes com a sua comunidade deve estar alinhado às suas acções e escolhas profissionais, online ou offline, de modo a ser efetivamente, e não somente, a figura que projeta.
Desta forma, a importância da reputação para a construção da credibilidade dos influenciadores digitais pode ser observada, também, no envolvimento e desenvolvimento de campanhas publicitárias, uma vez que o tipo de marca que se associa ao influenciador (e vice-versa) se torna um indicativo da identidade digital de um influenciador e o reconhecimento dela perante a comunidade digital. Ao considerar uma estratégia saudável para a interacção entre influenciadores digitais e marcas, no âmbito publicitário, possibilita-se a transferência do capital social, como apresentado anteriormente, que por sua vez pode, através do endosso do influenciador, contribuir para a construção de reputação de uma marca no ambiente digital (Hunt, 2010, p. 2).
Ao considerar o conceito de retórica mediatizada, em que, conforme descrito por Mateus (2018), “a construção e manutenção da credibilidade e imagem pública do orador é agora partilhada entre Orador, Agências de Comunicação, Relações Públicas e os Media” (p. 174), pode acrescentar-se aos componentes corresponsáveis nesta construção, as plataformas de media sociais. Uma vez que, na comunicação digital, os algoritmos trabalham “com a missão de expurgar informações indesejáveis, oferecendo apenas o que o usuário julgaria eventualmente o mais relevante para si, conforme um modelo de negócio definido, ou de acesso às informações também previamente determinado pelo proprietário do algoritmo” (Corrêa & Bertocchi, 2012, p. 7).
O trabalho do algoritmo nas redes sociais reforça o contexto de criação de bolhas identitárias, como apresentado anteriormente, e também o mito de que todos estão em estado de igualdade no sentido da visibilidade dentro das plataformas (Serra, 2003, p. 87).
A sociedade digital atual possibilita a qualquer indivíduo compartilhar a sua vida e/ou quaisquer assuntos que lhe sejam relevantes através das plataformas digitais, aqui nomeadamente as redes sociais, e eventualmente alcançar alguma relevante audiência, este fenómeno, portanto, muito se deve à sociedade mediatizada. Não se faz necessária a presença de um sentido de credibilidade para se alcançar a visibilidade no contexto das redes sociais, como Fidalgo (2007) apresenta:
Muito do que se faz hoje, muito do que se é hoje, é feito e existe em função da sua presença mediática, real ou putativa, e não por um valor intrínseco do acto ou do agente. Assim temos personagens que vivem de e para a sua visibilidade. Não é que desempenhem um papel relevante, económico, social, cultural, mas são personagens mediáticos e a isso se reduzem. (Fidalgo, 2007, p. 3).
Ao conectar a definição de Fidalgo aos influenciadores digitais, se torna compreensível que há a existência de perfis, tidos como influenciadores digitais, que não buscam em sua atividade estabelecer um reconhecimento de credibilidade para com a sua comunidade e a sociedade, para estes a visibilidade pode ser tratada como suficiente para a permanência da sua presença digital. Desta forma, a visibilidade, que contribui para a construção da credibilidade, sozinha não é um indicativo de que a credibilidade será alcançada. E embora nas redes sociais a visibilidade traduzida em número de seguidores seja algo celebrado por muitos e potencial aumento das oportunidades comerciais – por critério de seleção para campanhas publicitárias -, é a credibilidade que mantém e sustenta a atividade dos influenciadores digitais, através da relação que estabelece com a sua comunidade no dia a dia (Karhawi, 2017, p. 1679).
A credibilidade atribuída aos influenciadores digitais de forma nata é resultado da proximidade que existe entre os influenciadores digitais e suas comunidades, e uma sensação de intimidade (Camargo, Estevanim & Silveira, 2017, p. 116) que é possibilitada pela dinâmica das redes sociais, que valoriza elos informais, em vez de conversas hierarquizadas (da Silva, 2014, p. 29).
A relação direta entre a credibilidade e o poder da influência digital se faz mais nítida ao compreender que o “sucesso corporativo também será medido pela quantidade de informação que pode ser extraída, acumulada e utilizada para prever e modificar o comportamento de qualquer indivíduo com identidade digital” (Crary, 2014, p. 41). O exercício real da influência de um influenciador sobre sua comunidade pode produzir uma mudança de comportamento, o que em uma sociedade orientada para o consumo possibilita uma estetização do “consumo, das aspirações, dos modos de vida, da relação com o corpo, do olhar para o mundo” (Lipovetzky & Serroy, 2015, p. 11).
Como apresentado por Debord (2003) em a Sociedade do Espetáculo: “O homem alienado daquilo que produz, mesmo criando os detalhes do seu mundo, está separado dele. Quanto mais a sua vida se transforma em mercadoria, mais se separa dela. O espetáculo é o capital a um tal grau de acumulação que se toma imagem” (Debord, 2003, p. 26-27).
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