A publicidade que apela ao medo

1. Propósito e contexto

O objetivo deste artigo é refletir sobre o discurso publicitário que apela ao medo, tendo como ponto de partida uma campanha da Direção Geral de Saúde promovida antes do Natal de 2020. A partir desta procuraremos refletir sobre a eficácia da publicidade com foco no medo e traçar alguns objetivos para futuras investigações nesta área.

Temos vindo a conceber a publicidade num âmbito positivo, de motivação ou que procura despertar o desejo, uma publicidade que se opõe ao discurso informativo, dando boas e não más notícias, um discurso que seduz, que contagia, que convida a seguir comportamentos, mas a partir da apresentação de boas práticas. Temos refletido sobre o discurso publicitário na senda de Baudrillard que o vê como mostra do “(…) miraculoso lado do consumo que conduz à felicidade (Baudrillard, 1995, pág. 22), não deixando de lado uma reflexão crítica sobre o vazio deste discurso, belo por si mesmo, mas cheio de enganos, como bem critica Burns na curta-metragem Happiness.

No entanto, e por que o nosso olhar sobre a publicidade tem sido o da retórica aristotélica, convém aqui relembrar que a retórica é a “faculdade de teorizar sobre o que é adequado em cada caso para convencer” (Aristóteles, 1355b). Teorizar sobre o que é adequado para cada caso implica olhar também para o discurso que veicula o medo, tendo por fim a persuasão.

A pandemia provocada pelo coronavírus alterou a forma como nos relacionamos com os outros e colocou os media no centro da questão (e da solução).  Quando é decretado o lockdown, o isolamento leva a que o indivíduo procure relacionar-se com o mundo e com os outros, agora afastados geograficamente.

Talvez um olhar menos atento se alheasse de que os media faziam parte do dia-a-dia, estavam instalados no quotidiano, mas que talvez devido ao excesso de informação (ruído?) e ao cansaço provocado pela vida conturbada das grandes cidades tivessem retardado a consciência de que quando o espaço físico se fecha, só nos resta a mediação.

Fechados em casa, parecendo retomar o velho filme natalício dos anos 1990, é necessário retomar o contato com a realidade. Curiosamente, no período que integra os primeiros meses de 2020 e que constituem o primeiro Estado de Emergência decretado em Portugal após o 25 de abril de 1974, os portugueses aumentam o consumo de televisão. É na televisão que encontram informação credível e atual, como atestam os dados da Mediamonitor e alguns dos textos publicados no livro Perspectivas multidisciplinares da Comunicação em contexto de Pandemia.

Curiosamente, o investimento em publicidade decresce seja porque a venda de produtos não essenciais está proibida ou porque as marcas sentem a necessidade de se posicionar estrategicamente, afirmando-se como socialmente responsáveis. A Direção Geral de Saúde afirma-se no ano 2020 como um dos maiores investidores em publicidade tradicional (televisão e outdoor) com campanhas institucionais pedagógicas que visam ensinar os portugueses questões básicas sobre como lidar com o coronavírus, nomeadamente como lavar as mãos, o que fazer antes de viajar, entre outros. Mas sobre os temas da publicidade durante a pandemia já escrevemos em: “Representações de género na publicidade durante a primeira vaga da pandemia de COVID-19 em Portugal” (2021)

2. O mundo fechou-se

No início de 2020, o mundo confrontou-se com uma série de debilidades, entre elas a de uma sociedade que não estava preparada para trabalhar à distância.

Uma das consequências sociais mais dramáticas da pandemia e do confinamento foi o distanciamento social, principalmente entre os idosos. A tecnologia reduziu essas distâncias e resolveu em grande parte a falta de contato de pessoas especialmente vulneráveis. Como persuadir a adotar hábitos de vida saudáveis a pessoas vulneráveis, amedrontadas e isoladas?

O percurso das marcas centrou-se na positividade e o #VaiFicartudobem correu mundialmente. Em Portugal e Espanha as marcas pouco mostraram a realidade dramática da Covid-19 ou pessoas com máscara. Priorizou-se o cuidado feito pelas mulheres em casa para com filhos e pais, a coragem e heroicidade dos homens que continuavam na rua a manter em funcionamento a economia, os drive-in que continuavam a assegurar a refeição trazida da rua. A DGS foi também presença assídua nos media tradicionais (e referimo-nos aqui sobretudo aos media tradicionais porque a televisão foi considerada o meio por excelência na primeira vaga de Covid-19, em Portugal e Espanha). As marcas priorizam a positividade, a responsabilidade social, o espírito de União, recordam os valores da nação, mas a DGS incentiva a lavar as mãos e a reduzir os contactos ao máximo. Curiosamente, a estratégia mudou substancialmente no período próximo do Natal de 2020 o que nos leva a pensar sobre o modelo de Petty, Cacioppo & Goldman, de 1981. Os autores apresentaram um modelo de persuasão por duas vias, defendendo a existência de dois caminhos que conduzem à mudança de atitude, a via central ou a via periférica.

A via central está associada a uma reflexão cuidada por parte do auditório que tece considerações sucessivas e demoradas sobre a credibilidade da informação e sobre a informação a que está sujeita; a via periférica aponta para uma persuasão que ocorre de forma mais superficial, em que o auditório é induzido a uma mudança por pequenas pistas ou argumentos. A perspetiva de Batista (1992), com a qual concordamos, é que tendo em conta o elevado número de estímulos a que estamos sujeitos diariamente, será difícil que o consumidor responda à maioria deles pela via central.

Em 1986, Petty & Cacioppo esclarecem que a diferença entre a via central e a via periférica não está na distinção entre racionalidade e impulso, mas sim na extensão da mudança da atitude provocada pela exposição a determinados argumentos. Para os autores, a proximidade com o tema e o interesse pessoal condicionam a forma como esta persuasão ocorre.  Estamos, então, perante uma questão subjetiva que é a primeira a condicionar a eficácia da persuasão, sobretudo quando procuramos uma persuasão a longo prazo.

3. O medo convence?

Como procuramos refletir numa campanha específica da DGS que recorre ao medo, procurámos basear-nos em artigos que apresentassem dados sobre a eficácia das estratégias publicitárias assentes no medo. O artigo de Shin, Eyun-Jung e Griffin (2017) reflete sobre o medo como argumento nas campanhas ambientais, mas reconhece a existência de poucos estudos nessa área e uma inclinação a saber como gerar engagement com o target.

Studies on effective appeals, including the fear appeal in green advertising, have been limited.(…) The body of research on green advertising suggests that involvement with the environment positively influences green advertising effectiveness and can moderate advertising effects. For green advertising professionals, it is important to understand the effects of consumers’ involvement with environmental issues on the ability to persuade them. Thus, this study tests how consumer involvement with ‘green’ issues may moderate the effect of fear appeals in green advertising (Shin, Eyun-Jung & Griffin, 2017, p.  474).

Os autores explicam que o medo na publicidade confronta os consumidores com uma ameaça, os “fear appeals ‘threat appeals’ (de) Hartmann et al. (2014)” (Idem, Ibidem), ameaças que costumam ser físicas ou psicológicas e que afetam o bem-estar das pessoas envolvidas ou daqueles que lhe são próximos.

Para Shin, Eyun-Jung e Griffin (2017), o apelo ao medo tem sido feito para causar uma mudança rápida em comportamentos nocivos e o artigo inclui uma série de referências bibliográficas que vale a pena (re)ler se pretendermos estudar os efeitos persuasivos da mensagem, compreender como é que a intensidade do medo que é infligido na mensagem pode influenciar ou quando é que deve ser usado o apelo ao medo.

Researchers have confirmed an effectiveness of fear appeals to persuade and influence behavioral intention under certain circumstances (Leshner et al. 2010). For example, Strong and Dubas (1993) argued that the stronger the fear appeal in an ad for a sunscreen product, the stronger the purchase intention induced (Shin, Eyun-Jung & Griffin, 2017,  p. 475).

Os autores advertem que o efeito da persuasão parece estar mais relacionado com o indivíduo do que com a mensagem e argumentam que, se um indivíduo acreditar que a ameaça é séria, que lhe diz respeito a si ou àqueles que lhe são próximos, então o anúncio será eficaz. Contudo, os autores não negam que a exposição ao medo possa levar a atitudes negativas por parte dos consumidores como a repulsa e o afastamento.

Em “Fear advertisements: influencing consumers to make better health decisions” (2015), Krishena e My Buib apresentam um estudo sobre o efeito das mensagens de saúde no processo de tomada de decisão dos jovens cidadãos norte-americanos que poderiam vir a sofrer de obesidade. No artigo, os autores apresentam os resultados de dois estudos exploratórios, um deles passa pela exibição de uma campanha motivadora e de esperança e o outro pelo uso de uma campanha que apela ao medo. Compreender qual o argumento mais eficaz em campanhas anti-obesidade é vital para evitar o gasto de milhões de dólares por parte do Governo norte-americano em campanhas que se têm revelado infrutíferas.

Krishena e My Buib (2015) validam a ideia de que os estudos sobre os efeitos do medo são escassos e esperam que os estudos nas áreas do marketing e da publicidade possam contribuir para uma reflexão mais alargada sobre o tema e ajudar-nos a compreender o impacto das mensagens no comportamento do consumidor, sobretudo no que diz respeito a mensagens relacionadas com a saúde (Idem, pág.1).

Baseados em Petrevu (2010), os autores afirmam que uma mensagem negativa, a mensagem do medo, é mais negativa para pessoas que estão conscientes dos riscos efetivos que correm se levarem a cabo o comportamento que é mostrado no anúncio e que o medo pode causar a tensão e a energia necessárias para mudar comportamentos.

Ruiter, Abraham, and Kok (2011, citados em Krishena e My Buib, 2015) sugerem que a mensagem dos anúncios merece ser alvo de pesquisa pois devemos estar atentos à forma como a mensagem afeta pessoalmente a pessoa que vê o anúncio. Gallopel Morvan et al. (2011, citados em Krishena e My Buib, 2015) deixam pistas para investigar a forma como as imagens do anúncio reproduzem o imaginário visual do consumidor pois também estas podem alterar a eficácia de um anúncio.

4. A campanha “Não deixes o vírus entrar”

Em dezembro de 2020, a DGS inaugura uma nova forma de comunicação, menos focada na motivação e mais focada no medo.

A campanha, composta por cinco anúncios veiculados na televisão e nas redes digitais da DGS, apresenta cinco cenários e protagonistas diferentes. O primeiro anúncio procura mostrar o lado invisível dos convívios familiares e a quantidade de vírus em circulação. O segundo anúncio tem como imagem uma fotografia Polaroid de um grupo de amigos/familiares na faixa etária 30-45, naquela que seria a imagem d’“o ultimo post do Júlio”. O slogan “Não deixes o vírus entrar”. O terceiro anúncio decorre em ambiente de UCI hospitalar onde um sénior está internado, enquanto parece recordar os cumprimentos recebidos no último almoço familiar. O quarto anúncio, o mais curto, também decorre em cenário de UCI, com uma senhora sénior entubada devido, em parte, a não ter mantido as janelas abertas. O quinto anúncio tem como protagonista um jovem adulto, internado na UCI. Aqui refere-se que os dois metros de distanciamento teriam feito a diferença. O sexto anúncio mostra um jovem (18-25), também na UCI, com recurso a apoio respiratório. A mensagem é que o uso da máscara teria evitado a situação.

5. Conclusões

A pandemia provocada pelo coronavírus alterou os hábitos de vida da população mundial e manifestamente a publicidade deu conta dessa alteração. Nos estudos feitos sobre publicidade televisiva em Portugal e em Espanha (Hellin, Fernandez Rincón, Ferreira, 2021), constata-se que as marcas se converteram em organismos de motivação e que o Governo procurou ter uma atitude pedagógica para com os cidadãos. Em dezembro de 2020, a DGS muda de estratégia e larga a publicidade motivadora e recorre a uma estratégia de apelo ao medo. A campanha mostra os resultados de diversos comportamentos de risco e coloca como protagonistas da campanha portugueses de várias faixas etárias e de ambos os sexos. Os seis anúncios mostram seis vítimas do vírus (ou dos seus próprios comportamentos), quatro delas internadas em UTI e uma falecida. Na altura em que este artigo é escrito, a autora não conhece a existência de um estudo de eficácia feito à campanha, nem artigos científicos que revelem estes dados. Por este motivo, avançar com um estudo de eficácia sobre esta campanha será o nosso próximo passo.

6. Referências

Mesquita, António Pedro (Coord) (2018). Obras Completas de Aristóteles – Retórica, 5ª Ed. Lisboa: INCM.

Baudrillard, Jean (1985). A sociedade de consumo. Lisboa: Ed. 70.

Batista, Miguel (1992). “O Uso de Modelos Cognitivos na Previsão da Eficácia da Publicidade: Um Estudo Comparativo”, In Análise Psicológica (1992), 3 0: 403-412. Disponível em: https://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/1915/1/1992_3_403.pdf

Hellin, Fernandez Rincón, Ferreira (2021). “Los anunciantes ante la emergencia sanitaria de la COVID-19: Un análisis publicitario comparado entre España y Portugal”, In Cádima e Ferreira, Perspectivas multidisciplinares da Comunicação em contexto de Pandemia (Vol. I). Lisboa: ICNOVA, pág. 213-234

Ferreira, Lobo, Melissa Pio (2021). “Representações de género na publicidade durante a primeira vaga da pandemia de COVID-19 em Portugal“, Comunicação Pública [Online], Vol.16 nº 30 | 2021, posto online no dia 30 junho 2021, consultado o 23 maio 2022; DOI: https://doi.org/10.4000/cp.12548

Krishena, My Buib (2015). “Fear advertisements: influencing consumers to make better health decisions”. International Journal of Advertising, 2015.

Petty, R. E. & Cacioppo, J. T. (1986). The Elaboration Likelihood Model of Persuasion. Advances in Experimental Social Psychology 19(1):124-205.

Petty, R. E., Cacioppo, J. T. & Goldman, R. (1981). Personal involvement as a determinant of argument-based persuasion. Journal of Personality and Social Psychology, 41(5), 847–855: https://doi.org/10.1037/0022-3514.41.5.847

Shin, Sumin; Ki, Eyun-Jung & Griffin, W. Glenn (2017). “The effectiveness of fear appeals in ‘green’ advertising: An analysis of creative, consumer, and source variables“, Journal of Marketing Communications, 23:5, 473-492, DOI: 10.1080/13527266.2017.1290671.