Estética da espera, política da velocidade, economia da esperança: considerações sobre o throbber

 

1.Throbber (Fonte: commons.wikimedia.org)

A acção é interrompida numa suspensão indefinida. Um ícone animado surge num perpétuo movimento circular sobre si próprio – loop infinito ou ouroboros formalizado em pixéis. Ao contrário de uma barra de progresso, desconhece-se o estado de evolução do processamento ou quando este terminará. Ou seja, desconhece-se quando é que aquilo pelo qual se espera acabará por chegar. Sabe-se apenas que algo está a ser processado, carregado ou descarregado nos bastidores do interface e nos circuitos da caixa negra que está para além daquilo que de sensível nos é devolvido pelo ecrã. Desconfia-se talvez que o sistema esteja em dificuldade ou saturado, atravessado por cálculos intensivos ou processamentos complexos. Ou que o sinal da rede seja insuficiente para alimentar a operação. Teme-se, no limite, que nada chegue ou que o sistema colapse. Na latência entre a acção do utilizador e a resposta do sistema, o desejo é interrompido, mas não é anulado, é intensificado. O olhar fixa a roda cíclica em movimento para olhar para lá do ecrã, contemplando virtualmente a iminência do evento que ainda lá não está. Por breves instantes – ou por delongas que, pela impaciência que impõem, são sentidas como um boicote – somos reféns da temporalidade própria da máquina.[1]

 

2.Ouroboros (Fonte: commons.wikimedia.org)

“Não sabemos o que fazer e então simplesmente esperamos, depositando a nossa confiança na encarnação mais literal de um deus ex machina. Deus, esperamos, virá da máquina. Na verdade, nesses breves momentos de desamparo, Deus é a máquina: uma entidade omnipotente, invisível e incognoscível, cuja lógica e materialidade não são inteiramente claras para nós. Apesar dessa abstração – ou talvez por causa dela – somos discípulos leais na igreja do ciberespaço e da audiência ‘on demand’. O processamento [buffering] é uma punição? E se for, que pecado cometemos?” (Alexander, 2017, p. 1)

 

3.Throbber traduzido em código (Fonte: Soon, 2019)

O ícone a que nos referimos é designado por throbber e podemos encontrá-lo em quase todo o tipo de experiências mediadas por interfaces digitais: ao carregar imagens e páginas da World Wide Web, ao esperar pela actualização dos feeds das redes sociais ou no streaming de vídeos e conteúdos multimédia. Se a espera atormenta e sugere a perda de controlo ao ponto de se poder tornar fonte de frustração, o throbber foi justamente pensado e desenhado para ocupar esse momento intersticial entre o comando e o efeito de modo a que se mantenha, mesmo que de modo temporalmente indefinido, um contacto com o sistema. Em suma, a sua função primordial é garantir a fluidez e a continuidade das operações. O seu trabalho – o apaziguamento do utilizador – cumpre-se plenamente quando já não se dá por ele. O throbber corresponde, para recorrer a uma ideia de Friedrich Kittler, a um típico efeito de superfície, isto é, a um modo de assegurar o entretenimento – a produção de uma realidade humanamente simbolizada – depois de na condição pós-media do digital se ter deixado de perceber o que verdadeiramente acontece na profundidade dos processos abstractos dos processadores dos computadores (Kittler, 1986, p. 2). Ocultar as descontinuidades do sistema é uma condição do design de informação para que, perante a interrupção ou a demora, o utilizador não abandone o processo: o throbber sustém hipnoticamente a sua atenção e convida-o a desfrutar da sua passividade. O mundo no qual se estava imerso há uns segundos atrás, e que entretanto foi suspenso, voltará a aparecer. O throbber é a garantia de que o sistema está a fazer os possíveis para que tal aconteça, instituindo uma relação de confiança com a máquina e a rede. No final, há-de correr bem.

 

4.NCSA Mosaic (1993 – 1997) throbber  5. Netscape Navigator (1994 – 2007) throbber (Fonte: archive.org).

Apesar da sua omnipresença, poder-se-á dizer que o throbber é uma espécie de mal necessário na época em que se proclama a velocidade instantânea da informação e é anunciada a concretização quase plena da rede como um sistema em tempo real em que “cada tweet e actualização de mural são instantaneamente indexados, actualizados e respondidos” (Morozov, 2012) ou se terá atingido o “paradigma de conexão total em que os eventos são instantaneamente conhecidos por todos os agentes da rede.” (Self, 2016, p. 249). Independentemente da caracterização, na hipótese da rede como um sistema em tempo real está a promessa – ou a “fantasia”, ainda segundo Jack Self – de que todas as esperas serão suprimidas e de que, no limite, a informação é distribuída por todos de forma plenamente universal. Perante este cenário, o throbber não será apenas um mal necessário ou um objecto digital estranho, será também um vestígio anacrónico que subsiste quando a sua função, pelo menos teoricamente, já não seria necessária. O seu pulsar pixelizado remete-nos para a fase inicial da World Wide Web no início dos anos 90 quando as “páginas que carregavam lentamente, acompanhadas pelo zumbido funky do modem, tinham a sua própria poética enigmática, abrindo espaços para a experimentação e a interpretação. Ocasionalmente, essa lentidão alertava-nos até para o facto de estarmos sentados em frente a um computador.” (Morozov, 2012). Neste sentido, o throbber reconstitui uma via arqueológica ao representar um prolongamento digital dos sinais analógicos que expunham com evidência, e algum deslumbramento, as condições de possibilidade de um meio ainda em formação. Nessa estranheza inicial, estaria em jogo um tipo de experiência que pode ser configurado naquilo que Nicole Starosielski chama a estética da espera (lag), ou seja, uma experiência através da qual os “consumidores de media entram em contacto com a infraestrutura, embora esse contacto lhes diga pouco sobre as infraestruturas que estão a atravessar ou até onde os seus sinais se estendem.” (2015, p. 62).[2]

Ora a estética da espera, que persistirá no throbber, conjugar-se-á mal com as narrativas da cronotopia (Armitage & Roberts, 2002) ou do sublime digital (Mosco, 2004), narrativas utópicas que procuram dar conta da “promessa da internet para aniquilar o tempo e o espaço, sendo rápida o suficiente para pôr todo o mundo em contacto instantâneo” (McKelvey, 2018, p. 141). Para além disso, também não se conjugará bem com os imperativos da performance, da aceleração, da optimização e da produtividade ou, ainda, com o “crescimento do trading de alta frequência ou algorítmico que dependem de uma latência quase nula.” (Ibid., p. 140).

A presença do throbber, mesmo que inconsciente sob o hábito da sua generalização, é a marca sub-reptícia de que a hipótese da rede em tempo real é mais uma promessa cultural do que uma realidade técnica, não deixando de existir “desajustes assíncronos, ou desalinhamentos, entre o espaço dos nossos corpos e a infinita fluidez atópica do mundo digital” (Jack Self, 2016, p. 249). Em última instância, está em causa a impossibilidade de uma funcionalidade ideal ou, mais concretamente, a constatação de que o mito da velocidade universalmente distribuída não deixa de ser atravessado por todo o tipo de fracturas. Num primeiro nível, tais fracturas são aquelas que se reflectem no facto de que, na globalidade da rede, nem todos os utilizadores terem acesso à mesma qualidade e à mesma velocidade da rede, em função de razões geográficas, políticas e socioeconómicas.[3] Num segundo nível, tais fracturas dizem respeito à improdutividade que está encerrada na temporalidade do throbber, enquanto imagem do “tempo desperdiçado, com todas as implicações de indolência subversiva e de anti-operatividade que tal evoca.” (Self, 2016, p. 1). Enquanto momento de hesitação, instala-se um espaço privilegiado para a temida inutilidade.

 

6.“Shouldn’t you be working?”, Silvio Lorusso (2016)

No cerne dessa sensação de inutilidade residirá uma profunda ambivalência: se, por um lado, a inoperatividade da espera pode ser percebida como um desvio libertador, um padrão rítmico alternativo, em relação às exigências da aceleração e da continuidade, por outro lado, o movimento cíclico do throbber – ao representar o estado fértil de algo que está a ser gerado – é uma imagem pregnante[4] que reforça a nossa condição de crentes que estão sempre à espera, depositando as suas expectativas naquilo que a rede lhes pode revelar ou devolver num cíclico processo de gratificação: “a rede corresponde inicialmente à ideia de que tudo está conectado e, como tal, é produto de um sistema de crença. (…) Mas a realidade nunca pode corresponder a esse sistema de crença, porque, na verdade, nem tudo está conectado – a rede existe, antes de mais, como um estado de desejo.” (Hu, 2015, p. 10)

 

7.Instant (Video Installation, loop), Lai Chih-Sheng (2013)

Na leitura mais perversa, a paragem ou a hesitação são apenas a condição para a perpetuação de uma erótica geral que a todo o momento nos coloca compulsivamente em contacto com ausências e necessidades latentes para preencher ou com um futuro que antecipamos mas que ainda não está à nossa disposição. Produção de desejo para produzir mais desejo ou, como insiste Wendy Chun (2016), fazer da insatisfação o motor de uma procura que se basta a si mesma, independentemente do que se encontra – always searching, never finding.

A roda pixelizada do throbber continua a girar, alimentando-se a si própria, projectando-nos numa economia da esperança que aquieta ao mesmo tempo que desassossega, suspendendo-nos, uma e outra vez, na expectativa de que o melhor ainda está para vir.

 

8.The Best Is Yet To Come (webpage, video documentation), Silvio Lorusso (2012)

 

Bibliografia

Alexander, Neta. [2017]. Rage against the machine: Buffering, Noise, and Perpetual Anxiety in the Age of Connected Viewing. In Cinema Journal, Vol. 56, Nº 2, pp. 1 – 24. University of Texas Press.

Armitage, John & Joanne Roberts [2002]. “Chronotopia”. In Living with Cyberspace: Technology and Society in the 21st Century (Ed. J. Armitage & J. Roberts), pp. 43 – 56. Continuum.

Charlton, James. [2014] “Post screen not displayed”. In Post-screen: Device, Medium and Concept. CIEBA – FBAUL.

Chun, Wendy Hui. [2016]. “Always Searching, Never Finding – Habitual Connections, or Network Maps: Belatedly Too Early”. In Updating to Remain the Same – Habitual New Media. The MIT Press.

Crary, Jonathan. [2013]. 24/7 – Late Capitalism and the Ends of Sleep. Verso.

Ernst, Wolfgang. [2016]. Chronopoetics – The Temporal Being and Operativity of Technological Media. Rowmand & Littlefield.

Hu, Tung-Hui. [2015]. A Prehistory of the Cloud. The MIT Press.

Kittler, Friedrich. [1986] Gramophone, Film, Typewriter. Stanford University Press, 1999.

McKelvey, Fenwick. [2018]. “Suffering from Buffering? Affects of Flow Control”. In Internet Daemons. University of Minnesota Press.

Morozov, Evgeny. [2012] “The Death of the Cyberflâneur”. In The New York Times. [https://www.nytimes.com/2012/02/05/opinion/sunday/the-death-of-the-cyberflaneur.html]. Acedido a 23 de Abril de 2021.

Mosco, Vincent. [2004] The Digital Sublime: Myth, Power, and Cyberspace. The MIT Press.

Self, Jack. [2016] “Beyond the Self”. In Superhumanity: Design of the Self, pp. 247 – 254. E-flux architecture / University of Minnesota Press.

Soon, Winnie. [2019]. “Throbber: Executing Micro-temporal Streams”. In Computational Culture 7 (October). [http://computationalculture.net/throbber-executing-micro-temporal-streams/]. Acedido a 23 de Abril de 2021.

Starosielski, Nicole. [2015]. “Fixed Flow – Undersea Cables as Media Infrastructure”. In Signal Traffic: Critical Studies of Media Infrastructures. (Ed. L. Parks & N. Starosielski). University of Illinois Press.

Virilio, Paul. [1997]. Speed & Politics. Semiotex(e), 2006.

 

[1] Sob os pressupostos das materialidades dos media, Wolfgang Ernst (2016), naquilo que chama a cronopoética específica dos media enquanto seres temporais, ou Winnie Soon (2019), ao focar a inapreensibilidade, por parte do utilizador, do processamento de sinais de código, têm procurado problematizar a impossibilidade de quantificar as micro-temporalidades dos media digitais através da escala sensorial humana.

[2] “Ao se usar um servidor distante, ao se ser forçado a passar pelo excesso de ligações por cabo e de nós da rede, tem se a sensação de ‘atraso’, uma reação visceral, emocional e física de desaceleração, através da qual os utilizadores podem literalmente sentir a bricolagem das infraestruturas” (McKelvey, 2018, p. 61).

[3] Contra a ideia do universalismo da distribuição da rede, pode considerar-se que tecnicamente nem todas as zonas têm a mesma cobertura, que politicamente há modalidades distintas de controlo e de vigilância do tráfego, ou que socioeconomicamente nem todos têm a mesma capacidade para aceder aos pacotes mais rápidos. Na leitura política que Paul Virilio faz da sua dromologia, a velocidade é indissociável da desigualdade, sendo que a categoria dos menos rápidos é essencial para a afirmação dos mais rápidos. No limite, a velocidade funciona como um novo tipo de classe (Virilio, 1997, p. 33). Jonathan Crary radicaliza esta ideia quando afirma que “um dos truísmos superficiais, mas incisivos, sobre a sociedade de classes é que os ricos nunca precisam de esperar, e isso alimenta o desejo de fomentar, sempre que possível, esse privilégio particular da elite.” (2013, p. 124).

[4] Na teoria da gestalt, uma imagem pregnante é uma imagem que se destaca, que causa uma impressão forte e que portanto, num segundo sentido, corresponde a uma imagem fértil, isto é, repleta de potencialidades como uma imagem de pura virtualidade. Este sentido reflecte-se no vocábulo da língua inglesa para gravidez – pregnancy.