Performance Imersiva: o corpo entre a dança e o teatro e mais além

Combinando linguagens de dança contemporânea em ambiente imersivo, ao vivo e por internet, múltiplas manifestações do corpo acontecem – entre Brasil, Holanda e Portugal – utilizando scores. Interagindo em fusos horários e espaços diferentes, os limites mudam perspectivas de conexão, consoante os espaços.

Começo: Junho de 2016 – Lisboa e Arnhem. Dançar, testemunhando e escutando profundamente, experimentamos dentro e fora do espaço de visão, enquadrando janelas, portas, escadas, quintais, cozinhas.

Conferências-performance, 28 de Outubro de 2016, para Lisbon Stereo & Immersive Media 2016  –  apresentada na ESBAL.

Fazemos analogias, em “re-construção” do conhecimento num processo evolutivo (Katz: 2005). Há um fluxo no pensamento do corpo e na consciência do corpo (awareness). O corpo e o mundo relacionam-se entre si, corpo a corpo, em todas as suas partes e numa interconexão interior-exterior/exterior-interior.

“O bailarino sente-se dançar. (…) Trata-se de coisa diferente de um reenvio em espelho, porque a imagem virtual nunca se constrói em si própria (os gestos visíveis sim, são a sua actualização). O bailarino vê-se dançar ‘como num sonho’ (…)” (Gil, 2001: 62)

Ao ter consciência do corpo em todas as suas percepções sensoriais, o bailarino vai acrescentar, ampliar e expandir o processo de interconexão, pela prática, dançando e trabalhando numa constante imagem-corpo (virtual) que se manifesta numa “nova” imagem-corpo (actual). Ambas as imagens-corpo são reais e vividas intensamente.

Conferências-performance, 26 de Novembro de 2016, Old Patterns and New Patterns of the Voice and the Body Improvisation – An Embodied Activity.

A Criação (através) do Corpo

Scores

fragmentos, rupturas, paragens, continuum

movimento a partir do movimento e ritmos

Potencia-se a emergência de movimento/dança:

desempenho/sincronia (tuning)

improvisação e composição automática

confronto com o processo empírico – acontecimento

jogo – criação

desafio e infra-comunicação

pensar enquanto se dança, conectando antigos e novos conhecimentos

corpo e mente; entidade integrante – numa zona onde a experiência aprofunda as fontes teóricas

insights sobre o corpo em metamorfose

desistir de ideias fixadas anteriormente – outras ideias surgem no momento presente

derivação e novas associações entre partes do corpo, com novos ritmos, velocidades e tensões sensoriais

experiência entre, enquanto ser pensante: dançando e lidando com outro vocabulário – numa comunicação não-verbal semelhante à experiência da especulação verbal

palavras não descrevem a totalidade da experiência, mas indicam um mapa – campo de acção

formular uma linguagem, reflectir sobre mudanças de percepção e consciência –  ver o corpo como “outro”

testemunhar a outra pessoa dançando (observando, escutando, recolhendo informação perante ela).

To work “in mirror” without being mimetic.

Enquanto dançam, os bailarinos “não ‘copiam’ do outro formas ou gestos; mas entram ambos no mesmo ritmo, nele marcando as suas diferenças.” (Gil, 2001: 63). Sem fazer exactamente o que o outro faz, mas “dialogando” com os mesmos gestos e movimentos.

A consciência do bailarino dissemina-se no corpo, dispersa-se, multiplica-se em inúmeros pontos de contemplação internos e externos; e, ao mesmo tempo, desvanece-se parcialmente enquanto consciência clara de um objecto, deixando-se arrastar pela corrente do movimento.

(…) a consciência de si dissolve-se ou mais exactamente, entra em processo de dissolução. Incapaz de se centrar unicamente sobre si, vê o seu centro (o eu) dividir-se e deslocar-se numa multiplicidade de outros centros (pontos de contemplação); (Gil, 2001: 160)

O corpo é sentido através de uma intensificação da presença, ao mesmo tempo que se entrega à experiência de uma expansão de si no mundo (mais além do corpo).

Scores home to home: space to space, o corpo além da dança e do teatro, campo de forças.

Os sentidos e a percepção sensorial e cinestésica

O videoskype levanta problemas:

não permanecer dentro do campo de acção/da câmara/computador;

aspecto bi-dimensional do ecrã; tradução para 3D;

distorção e delay no som transmitido;

atenção/olhar durante a comunicação enquanto se dança;

Não se pode ter a visão de uma câmara de vídeo enquanto se actua. Mas há uma percepção da dança que acontece de dentro, fazendo uso deste ponto de vista onde a sensação e a percepção se encontram. Tem de se optar por aceitar uma percepção válida, para se fazer escolhas baseadas nela – difícil quando a visão é tão dominante e a realidade pode ser tão suspeita. (Rethorst,  2012: 137) (Tradução nossa).

Todo o campo de acção continua presente, mesmo que a câmara não capte todos os movimentos e todas as situações. Fica em aberto o que poderá ser vivido e visto em algumas circunstâncias.

Linhas de orientação / a ter em conta:

1.Escolher e repetir locais de sessões posteriores; a cozinha é um campo recorrente de experimentações;

2.Ter uma qualidade lúdica – na escuta dos sons do corpo em movimento e do meio ambiente; lidar com questões de latência sonora e captação; seleccionar partes do som ou usar a imaginação;

3.George Aperghis: inspiração e construção de padrões através de “repetição e acumulação”;

4.A ausência manifesta no sensível, no escondido, no obscuro, no privado, no pessoal, próximo e tocante; aproxima o sensível à reflexão/análise, e a presença ao invisível.

How capture and sound problems gave interesting choices larger space and open air “framing” movement and sound.

Feito com uma consciência laboriosa e uma prática continuada: ouvir é experimentado como um sentido cinestésico.

É verdade que se “vê” dançar, mas também que se “ouve” e, mais profundamente, que se “sente” dançar (porque “se toca” ou porque “experimenta” o movimento: a reflexividade do corpo é geral). Não há imagem visual ou cinestésica única do corpo dançante; mas uma multiplicidade de imagens virtuais que o movimento produz, e que marcam outros tantos pontos de contemplação a partir dos quais o corpo se percebe. (Gil, 2005: 62)

O sentido da audição é transferido para a pele, como uma escuta profunda do corpo na sua cinestesia.

space_body_tuning_place_non-place_image_scores_spatialcomposition_immanence_deeplistening

Feedback

formas de escrita de associação livre

exercícios de verbalização enquanto se dança

registo em vídeo e posterior visualização

permitir outra camada de significado, diferente de ilustrar

compreensão do pensamento através da experiência do corpo

diálogo entre “pensar fazendo e fazer pensando”

outros estados de consciência nutridos pela percepção

discurso nasce da experiência não-verbal para a experiência verbal

invisível-visível, inaudível-audível, distância-proximidade, ausência-presença.

O corpo afecta o discurso verbal nas sensações e através das micropercepções:

Compreende-se que as pequenas percepções garantam a passagem do não-verbal ao linguístico (por exemplo, de um ritmo cromático a um ritmo poético; do “gesto verbal” da “palavra falante” [“parole parlante“] de Merleau-Ponty a um gesto corporal): os seus “signos”-intervalos (“signes”-écarts) surgem quando uma fusão significante-significado se manifesta no meio de um jogo de palavras; ou quando nos apercebemos na relação (adequada ou inadequada) do título de um quadro com a imagem que designa. Trata-se sempre de restos ou de aderências da expressão ao conteúdo (ou reciprocamente) que um e outro exibem depois da sua separação por altura da instauração da função semiótica. (Gil, 2005: 101)

Experimentamos outras possibilidades de falar a partir de dançar. Experimentamos outros sentidos que combinam o sensorial com o conceptual, numa demanda de novos conceitos.

A  interacção entre as improvisações domésticas/privadas, a performance ao vivo e por skype expandem-se  –  do evento privado ao público presente nas conferências públicas.

Conferências-performance: 24 de Novembro de 2016, Voice on stage, Lisboa.

Referências bibliográficas

GIL, José (2001), Movimento Total – O Corpo e a Dança, Lisboa, Relógio d’Água.

GIL, José (2005), A Imagem-Nua e as Pequenas Percepções – Estética e Metafenomenologia, Lisboa, Relógio d’Água.

KATZ, Helena (2005), UM DOIS TRÊS, a Dança é o Pensamento do Corpo, Belo Horizonte, Forum Internacional de Dança Editorial.

RETHORST, Susan (2012), A Choreographic Mind, Autobiographical Writings, Helsínquia, Edita Prima Ltd.