Rádio, Arte e Política: Uma Conversa com Mauro Sá Rego Costa

Mauro Sá Rego Costa, de quem publicámos neste número da Interact o artigo «O Rádio como Corpo sem Órgãos», é professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutorado em Educação (UFRJ, 1994) e mestre em comunicação (UFRJ, 1983). As suas áreas de interesse de investigação e pesquisa têm sido a teoria da rádio, radioarte, rádio experimental, rádio educativa e rádios comunitárias. Com uma abordagem teórica herdeira do legado de Rudolf Arnheim, centrada no estudo da rádio como meio expressivo, Mauro Sá Rego Costa convoca para a reflexão a possibilidade de analisar o carácter educativo de qualquer área experimental da radioarte, que, na sua concepção, se apresenta como o oposto das narrativas sonoras produzidas pelas rádios comerciais. A procura de uma outra escuta e de novas formas de fazer rádio como pilares norteadores da sua atividade académica, levaram-no a produzir e apresentar com Wallace Hermann o «Nonsense Radio Clube», entre Julho e Novembro de 2002. Coordena, desde 2002, a Rádio Kaxinawá, projeto que consiste numa rádio comunitária articulada à Faculdade de Educação da Baixa Fluminense, onde produz e apresenta vários programas de índole educativa, como os Educação e Comunicação: Rádio I e Rádio II e o Grupo de Estudos Deleuze, grupo de estudos no ar, ao vivo, da filosofia de Deleuze e Guattari, também apresentado em podcasts no blog https://grupodeestudosdeleuze.wordpress.com/. Em 2013, publicou o livro Rádio, Arte e Política (EDUERJ)

 
Graziela Vianna: Mauro Sá tem uma trajetória académica que se inicia na graduação em filosofia, mestrado em Comunicação e doutorado em Educação. Sua formação, portanto, passa por áreas do conhecimento distintas. Como é que o interesse pela escuta e pelas narrativas sonoras se articula com essa formação?

 
GV: Pensando na sua trajetória, considerando as pesquisas e as produções sonoras desenvolvidas e pensando na sua atuação hoje, é relevante destacar a experiência atual da Rádio Kaxinawá, onde ouvimos desde produções artísticas experimentais até canções de géneros populares. Assim, em alguns momentos, entendemos que a rádio, por um lado, promove uma educação para a escuta de peças experimentais ao publicitá-las; por outro, a emissora reproduz em alguns momentos as canções veiculadas em emissoras comerciais de grande alcance. Pensando nessa programação eclética, qual seria o papel da emissora para os seus ouvintes?

 
Filipa Subtil: O Mauro tem-se interessado particularmente pelo caráter libertário do meio que, nos seus primórdios, foi simultaneamente uma ferramenta de difusão e um espaço de comunicação interpessoal. Parece não lhe interessar, particularmente, a transmissão em broadcasting, que teve o seu auge na chamada Era de Ouro da rádio (1930-1950). Quais considera terem sido as grandes conquistas das rádios livres no início do século XX nos EUA e nos movimentos das rádios livres na Itália e na França, nas décadas de 1970 e 80? O que resta hoje dessas experiências estético-políticas?

 
FS: A rádio comercial, modelo predominante no espectro radiofónico do mundo ocidental, com raras exceções, está hoje mais do que nunca refém da lógica do mercado ou, nas palavras de Murray Schaffer, é uma rádio ditatorial que está acto contínuo a persuadir o ouvinte para comprar algo, para ver um determinado filme, para fazer crer nas visões hegemónicas do mundo e da sociedade. Diante deste panorama, onde é que vê possibilidades de a rádio se constituir hoje como um instrumento de mobilização cívica?

 
Filomena Borges: Podemos talvez afirmar, sem muita margem para erro, que devemos a Rudolf Arnheim, nos anos de 1930, a descoberta do potencial estético da invisibilidade da linguagem sonora da rádio. Desde então e perante a crescente omnipotência da rádio como mera transmissão, qual tem sido, na sua opinião, a expressão e a importância que os movimentos da radioarte e da radical radio têm tido para a criação de uma nova estética sonora?

 
FB: Uma outra dimensão que carece de reflexão é o som e educação para a escuta. Como já afirmou, ao contrário das linguagens visuais, que têm sido objecto de vasta teorização, as linguagens sonoras teimam em continuar arredadas dos fóruns académicos, e quando existem tendem a ser incorporadas no campo da música, limitando as possibilidades de leitura do que seria específico dessa experiência. Como capturar públicos e o interesse dos investigadores pelas referências dos sons do mundo, da sua fonte nas actividades humanas, da sua realidade sociopolítica ou até dos sons da natureza? Num tempo de poluição sonora massiva, do qual a própria rádio participa, como tornar conscientes a especificidade dos ambientes sonoros em que vivemos?

 
FS: Lendo os seus textos sobre as rádios livres e comunitárias no Brasil, demo-nos conta de que a história desse movimento e do seu processo de legalização teve similitudes com o que ocorreu em Portugal também na década de 1980. Estes movimentos acompanham aos processos de democratização dos nossos países. O que parece claro em ambas as realidades nacionais é que, quando o sistema burocrático-legal toma conta do espectro radiofónico, fica, em grande medida, à mercê de interesses políticos, económicos e religiosos, deixando pouco espaço para iniciativas cidadãs. O que resta, no caso brasileiro, do projecto de ampliação da comunicação democrática, autónoma e plural destas iniciativas sonoras alternativas?

 
GV: Mauro Sá foi um dos idealizadores do projeto Rede Rádio Arte, uma plataforma na Internet que abriga a produção artística de coletivos, grupos de pesquisa e artistas independentes que utilizam o som como significante. Na Rede Rádio Arte difundem-se obras de circulação muito restrita e que não tem espaço na programação de emissoras de rádio comerciais. Qual é a relevância da rede Rádio Arte nesse sentido de ampliar os espaços de circulação da radioarte? Poderíamos dizer que a plataforma e seus diversos conteúdos contribuem para uma educação para a escuta?