Sobre os Riscos do Mergulho na Dimensão Política do Jogo

Em ensaio recente, intitulado «Da Sombra Projetada, ou sobre o Caráter Tenebroso da nossa Comunicação», apresentado e publicado nos anais do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação de 2010, nos empenhámos em observar os processos de comunicação a partir da projeção do fenômeno ao limite máximo da superfície reflexiva. Espelhamento ao limite reflexivo foi o nosso intento específico.
Poderíamos enfocar, se fosse o propósito, toda a história do pensamento humano do ponto de vista do espelho. Não seria, acreditamos, um ponto de vista desinteressante. Mas, como já nos posicionamos, o intento deste artigo é outro. Nutre a especulação inversa de que o nosso interesse pela comunicação humana tem atualmente uma estrutura diferente e emergente. Não estamos mais interessados somente no aspecto reflexivo, metodológico, subjetivo ou objetivo da comunicação. Perguntar-se sobre o que é a comunicação nos parece sem significado. O nosso interesse está projetado diametralmente em oposição ao ensaio referido logo acima; está naquele caráter existencial coberto pela obscuridade da potencialidade emergente; está em saber o que, um dia, pode vir a ser a nossa dimensão política comunicacional ou se, sequer, um dia poderemos conhecê-la. Tentaremos projetar mergulho. Mágica será o projeto deste texto.
No presente texto, portanto, propomos inversão de projeto: nos lançamos – em queda livre – às profundezas tenebrosas donde emergem novas possibilidades em posicionamento comunicacional e onde esta condição ainda é inobservável – invisível. A própria baixa possibilidade de definição do universo abismal no qual nos lançamos impede a abertura dos olhos para livre observação destes fenômenos emergentes. Portanto, nesta situação desenhada, o que nos resta é pele, ouvidos e narinas.
Nossos ouvidos, ocupados e apaixonados por «Música de Câmera»2, automaticamente se retiram deste projeto. Agora temos queda livre cega e surda. Diante da possibilidade tremendamente assustadora da simples utilização metodológica de pele e narinas, o que nos resta é gritar desespero puro. O grito realizado em queda livre não ecoa e não encontra qualquer possibilidade para diálogo. Em mergulho às profundezas descobrimos que não há objeção. Suspeitamos, pela primeira vez, que o objeto pelo qual procuramos existe em universo livre de objeção. Não existe algo contra o qual podemos projetar. Destarte percebemos vazio absurdo.
Nesse sentido, interessar-se de fato por um determinado aspecto da realidade é embarcar em aventura lúdica rumo ao desconhecido sombrio, desprovido de todo o tipo de resguardo fundamental possível. Nossa tentativa de comunicação com aspectos reais de todo conhecimento possível sobre a nossa própria experiência como homens que jogam representa estar no meio de uma floresta – ou de um deserto – sabendo que o perigo pode vir de qualquer lado; é não ter segurança alguma, é caminhar em solo sem fundamento, vazio; e isto pode ser aterrorizante: tenebroso.
Aqui, neste momento, parece ser necessária a definição, mesmo que baixa, disso que chamamos «tenebroso». Vejamos: de gênese latina, remete ao contexto de algo ou alguém cheio ou coberto de trevas, onde não existe nenhuma claridade; obscuro; de difícil compreensão. É possível estar aqui a significação que desejamos definir como, ao menos, hipoteticamente válida para o nosso propósito: um contexto obscuro, de difícil compreensão; fenômeno ainda emergente que não resiste tampouco objeta contra uma possível cognoscibilidade. A comunhão, como fenômeno e como modo de ser emergentes, para nós, assume papel de objeto, isto é, objeta reflexivamente: reflete oposição. Comunicação nega como espelho; programaticamente, funcionam idênticos. Assume a aparência mágica que lhe foi conferida desde seu caráter mais intimo e arcaico. Deste modo, a partir de uma articulação mágica de aspectos meramente aparentes, nos engana. Desfavorece a compreensão do fenômeno como realidade em si mesmo. E a partir destas configurações ardilosas, nos impele a impossibilidade cognitiva: nos diverte. Isto é: programaticamente, o universo emergente da comunicação se projeta em nossa direção tendo por propósito a nossa diversão. Nega o quê? Nos diverte em relação a o quê? Deixaremos a exposição de algumas possíveis hipóteses – já formuladas por Flusser3 – para um próximo texto.
Continuando: tendo as duas narinas obstruídas por secreção empenhada em lance desesperado para fora do corpo, o que nos resta é a pele. Nessa situação o tatear é a única possibilidade.
Damos seqüência às proposições apaixonados por nosso próprio raciocínio e a proposta ainda é nos afundarmos ainda mais na tentativa de, imersos nas profundezas mais sinistras e tenebrosas, encontrarmos os fundamentos sólidos que tanto buscamos.
Em breve: cegos e surdos, gritando desesperadamente e com uma única ferramenta disponível para exploração: tato; em universo plano e superficial, configurado por pontos, cálculos e cômputos, a busca por fundamentos sólidos nas profundezas da nossa existência demonstra campanha frágil e absurda.
Nossa existência é queda livre em movimento de vórtice, do centro programador profundo e insignificante para os limites superficiais sólidos e densos em significado. Nossa proposta de inversão de projeto vai se apresentando insignificante; inversão besta.
Como possibilidade para a montagem deste cenário, podemos compô-lo a partir da estrutura mecânica de um vortex. Este termo representa nada além do próprio movimento de um vórtice: movimentos espirais ao redor de um centro de rotação. É movimento possível, que surge a partir de uma tensão inicial, tendo propósito mais geral de equilibrá-la. É movimento ambíguo e inverso: movimento de inversão, ou seja, a vorticidade pode representar essa oposição refletiva que diverte; pode representar aquele movimento que propusemos executar ao longo deste artigo; vejamos: Vortex pode revelar-se um bom termo para definir uma estrutura social centralmente programada; configurada espiraladamente, movimentando-se do centro ao limite. A direção de rotação que caracteriza o modo de operação do vórtice é relativo à força que o provocou. É uma relação de força: energia de ativação mecânica.
Talvez essa primeira vorticidade seja a própria alimentação sistêmica: retro-alimentação. Esse movimento – o vórtice – define a emergência, determinação e rumo de todas as coisas. Este movimento vorticial concentra seus interesses na emergência de novos limites. Vai na direção oposta ao movimento natural e devorador do aparelho. É movimento interessado em determinar potencialidade: está interessado em energia e poder. É empenho em expelir energia e poder.
Este exemplo de movimento é fruto – ainda «verde» – decorrente de uma pesquisa de doutorado em andamento. Procuramos demonstrá-lo aqui apenas para melhor visualização das implicações mecânicas do cenário atual. Ainda precisamos submeter o termo e o exemplo a diversos processos e exames dialéticos e posicioná-lo a partir do confronto com o legado da tradição, afim de amadurecê-lo, tirá-lo da precariedade conceitual e transformá-lo em modelo simbólico para uma possível compreensão do universo da comunicação. O paralelo entre este movimento – o vortex – e as relações sócio-existenciais atuais pode ser extremamente rico em sugestões e pontos de partida para especulações filosóficas futuras. Como toda parábola, pode ser facilmente exagerado. Não pretendemos forçar demasiadamente este processo neste momento: tarefa para os próximos meses e anos.

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