Sobre os Riscos do Mergulho na Dimensão Política do Jogo

Essa nossa busca penosa rumo ao inarticulável, rumo às profundezes obscuras que, sob nossa – talvez ingênua – crença, fundamentam toda comunicação possível, aparenta ser um sopro de verdadeira religiosidade; sem me dar conta deste aspecto conscientemente, agarrei-me a ele. Agora, conscientemente continuo nele.
Em mergulho empenhado em compreensão do entorno comunicativo, as mãos parecem ser a última alternativa; parece ser o fôlego para toda futura experiência possível. As mãos, enrijecidas pelo desespero, tentam tocar, agarrar, separar e anexar o corpo à coisa de lhe chama atenção. Criam um espaço que elas mesmas preenchem, estruturam e dão forma. As mãos tentam informar a qualquer custo. Parece que existem para a realização dessa única tarefa: informar. As mãos parecem ser instrumentos de determinação.
Nessa queda, as mãos também parecem ser instrumentos precisos da fenomenologia, já que buscam agarrar e definir momentos ou fenômenos; sempre empenhadas no justo posicionamento diante do fenômeno em si. A gestualidade das mãos busca certeza. O gesto das mãos é repetitivo, automático. Em franco mergulho nossas mãos não se bastam coladas ao resto do corpo; não procuram tocar ou até mesmo agarrar o próprio corpo. Elas procuram, automaticamente, o que está posicionado para além do corpo. Interessante: as nossas mãos empenham-se em projeção para fora do corpo. Se possível – e acreditamos que seja – nossas mãos transformar-se-iam nas próprias coisas sobre as quais se projetam.
O significado desse empenho das nossas mãos não está livre de contextualização. Em queda livre, para abismo escuro e tenebroso, qual o significado destes gestos? Em contexto como o descrito acima nossas mãos se colocam à frente do corpo como escudos protetores. Como frentes de batalha prontas para o combate; estão sempre em limite de ataque. Em existência programada que descreve queda livre em movimento de vórtice, do centro programador profundo e insignificante para os limites superficiais sólidos e densos em significado, nossas mãos assumem posição protetora: empenham-se em sujeito. Em mergulho filosófico que descreve movimento de vórtice inverso, dos limites superficiais para centro programador profundo e insignificante, nossas mãos assumem posição de ataque: posicionam-se para projeto.
Podemos, contudo, propor inversão de posicionamento. A inversão pode tornar-se possível caso a «Música de Câmera» seja desligada e os nossos ouvidos oferecidos ao combate novamente. A oferta e reposicionamento dos ouvidos parece bom motivo para continuarmos o mergulho num próximo ensaio.

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1 Baitello Junior, Norval, «Comunicação, Mídia e Cultura», Revista da Fundação Saede, vol. 12, n.º 4, Out/Dez 1998, pp. 11-16 (p. 11).

2 Cf. Vilém Flusser, O Universo das Imagens Técnicas: Elogio da Superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008 (p. 141).

3 Cf. Vilém Flusser, Pós-História: Vinte Instantâneos e um Modo de Usar. São Paulo: Duas Cidades, 1983. Cf. também Flusser, 2008.

Baitello Junior, Norval, Comunicação, mídia e cultura. Revista da Fundação Saede. vol. 12, nº 4, 11-16, Out/Dez 1998, pág. 11.