O lado de fora da mão parte de uma ficção em torno de uma parelha amorosa que enfrenta uma situação de crise, narrativa que alimentou o projeto Luz de Setembro (2021 – …). Após um dos elementos ter ficado enfermo, a comunicação entre eles torna-se cada vez mais difícil. Tentando reagir a essa adversidade, o outro elemento, transformado na figura de um cuidador, persiste na repetição dos mesmos gestos do quotidiano, como se estes fossem formas de manutenção, declarações de fidelidade para com o projeto amoroso.
O lado de fora da mão é um conjunto de leituras do material preterido durante a construção dos 30 sonetos que perfazem o livro de artista Os fogos da casa (2022). Longe das amarras que a estrutura do soneto impõe, este texto não editado é composto pelos erros, pelas dúvidas, pelas anotações, pelas rasuras, pelas palavras soltas, pelos esquissos rejeitados, numa exposição de fragilidade que, por vezes, se assemelha a um fluxo de consciência. Se, por um lado, alude ao momento em que o personagem compõe os poemas, ao tempo de trabalho neles implicado, por outro lado, através da cadência da leitura e da persistência nas suas repetições, do vínculo do texto ao gesto físico de o dizer, este transforma-se numa espécie de mantra, num ritual de dedicação, numa reza quotidiana que o personagem cuidador oferece à figura amada.
Numa alusão simbólica ao título de onde surge este projeto, estas leituras ficarão acessíveis apenas durante a janela temporal do mês de Setembro, como se só com essa brecha de luz se pudesse espreitar o corpo a repeti-las, abrindo-se assim a possibilidade do ritual íntimo se tornar público.
Desde que esta edição da revista Interact é lançada, a 16 de Setembro, até ao dia 30 de Setembro, durante todos os dias, a partir das 21h30, o corpo e a sua voz poderão ser encontrados a realizar a sua rotina de leitura via live streaming. Não haverá qualquer registo, gravação, ou possibilidade de aceder posteriormente nem às leituras nem ao texto que as origina. Prescinde-se do arquivo pela necessidade de estar presente. Ou melhor, na ausência de um arquivo externo, o arquivo reside unicamente no corpo de quem executa a performance, como numa experiência de oralidade.
Só a performance assegura a existência do texto. Desta forma, este adquire um tempo para existir, para ser ouvido. Ser efémero é sua condição inevitável. Para o recuperar, ao corpo resta repetir-se, saber desaparecer nesse trabalho, ser apenas a voz de uma prece, persistir, ir encontrando nesses gestos o alento que lhe permite reforçar um compromisso. Diariamente. É a presença e dedicação do corpo à tarefa da leitura que transformam esse momento numa confidência, numa partilha de intimidade.
Mais informação sobre Os fogos da casa:
Este livro de artista surge como parte do projeto Luz de Setembro, que foi apresentado na Galeria do Paço/ CdC Paço, Universidade do Minho (Braga, Portugal), e teve como parceiro institucional a República Portuguesa – Ministério da Cultura, através do Programa Garantir Cultura.