Spaceways to Earthly Matters

Spaceways to Earthly Matters é uma instalação artística que combina futuros especulativos, tecnologias espaciais e as preocupações socioecológicas contemporâneas. A instalação investiga de que forma a procura pela exploração cósmica ecoa ansiedades terrestres, refletindo estruturas de poder e dependências materiais. Ao enquadrar a exploração espacial dentro de um discurso artístico, Spaceways to Earthly Matters funciona como um observação sobre as ambições tecnológicas e corporativas que moldam o futuro do espaço orbital e que atualmente influenciam as práticas humanas na Terra.

Desde os primórdios da humanidade, o fascínio pelo espaço tem sido constante, reflectindo-se na cultura, na astronomia e na exploração científica. Civilizações como os Babilónios e os antigos Egípcios observavam os céus para satisfazer necessidades espirituais, simbólicas e práticas como a navegação e a percepção do tempo. Os corpos celestes eram vistos como forças divinas, regulando o destino e estruturando mitologias, governação e expressão artística. Com as descobertas telescópicas de Galileu Galilei, o entendimento do cosmos foi ampliado, desafiando o geocentrismo. O acto de olhar para além da Terra está profundamente entrelaçado com narrativas sociopolíticas e ecológicas.

No século XX, a “corrida espacial” transformou o cosmos num campo de batalha ideológico. Hoje, empresas como a SpaceX e a Blue Origin vêem o espaço como uma nova fronteira económica. Estes programas consolidam riqueza e poder tecnológico numa elite restrita e levantam preocupações ambientais. A crescente procura por materiais críticos como o lítio e o cobalto, utilizados em tecnologias espaciais, alimenta práticas extractivistas em regiões vulneráveis, expropriando terras, poluindo e gerando tensões geopolíticas. Essas dinâmicas ecoam padrões coloniais que continuam a moldar o planeta.

As implicações ecológicas da exploração espacial vão além da obtenção de recursos, suscitando questões sobre sustentabilidade. O lixo espacial, o consumo energético dos lançamentos e a retórica da colonização ignoram frequentemente os ecossistemas terrestres. Embora se imagine um futuro interplanetário, tal visão depende paradoxalmente dos recursos finitos da Terra, expondo contradições entre sonhos de fuga e a realidade material. O espaço, neste sentido, torna-se uma projeção do desejo humano, simultaneamente utópico e exploratório, mantendo-se enredado com as tensões ecológicas e políticas da sua origem planetária.

A instalação Spaceways to Earthly Matters expõe essas tensões através de uma abordagem material e espacial, criando uma experiência imersiva que convida à reflexão sobre a relação entre exploração espacial e fragilidade ecológica. No espaço expositivo, forma-se uma paisagem com elementos que evocam continentes e ilhas, compostos por partículas de café recolhidas em cafés de Helsínquia, onde a instalação foi apresentada.

Entre os elementos escultóricos encontra-se SHIPSPACESHIP, um modelo que combina características de barco e nave espacial. Construído com objectos encontrados e revestido com plástico biodegradável de açúcar, funde materiais descartados com uma possível materialidade do futuro. Outro elemento, WIDE HAND, consiste numa estrutura de tubos de alumínio reciclado que sustenta um aglomerado, lembrando uma luva branca apontada para cima, aludindo às utilizadas por astronautas.

ENHANCED WIDE HAND introduz um elemento performativo: um aspirador robótico hackeado que navega entre as “ilhas” de café. Este dispositivo, com uma garra móvel, reconfigura a paisagem expositiva em constante transformação. No centro da exposição, ECHOES THROUGH LIGHTYEARS surge como híbrido entre mecanismo, vitral e portal. A estrutura incorpora objectos encontrados sobre uma membrana translúcida de plástico de açúcar, sustentada por uma armação de alumínio recuperado de uma produção teatral de Helsínquia.

Inserida numa perspectiva de ficção científica especulativa, a instalação imagina um cenário em que a vida extraterrestre descobre objectos humanos abandonados num planeta colonizado e os reorganiza num gesto arqueológico. Os elementos tornam-se vestígios reconfigurados por inteligências não humanas, propondo um novo imaginário sobre o legado material humano no cosmos.

Os conceitos centrais desta investigação incluem ficção espacial, sistemas exploratórios e cultura material. A exploração cósmica, frequentemente enquadrada como um acto de descoberta, é aqui considerada como um processo profundamente enraizado nas dinâmicas terrestres, reforçando estruturas de vigilância, extração, controlo e impacto ambiental. Este trabalho inspira-se nas perspetivas apresentadas por Eva Díaz no ensaio We Are All Aliens, que critica o domínio corporativo sobre as iniciativas espaciais. O projecto dialoga com teorias da cultura material e da “vibrant matter”, especialmente a partir do pensamento de Jane Bennett, sugerindo que os materiais possuem agência própria, influenciando e moldando as interações humanas. A agência pós-humana desafia perspectivas antropocêntricas, ampliando a agência dos atores não humanos, sejam eles extraterrestres, tecnológicos ou materiais.

A prática de Tomás Saraceno, especialmente o projecto Aerocene, que propõe modelos de mobilidade atmosférica não extrativos, influencia este trabalho ao desafiar paradigmas dominantes e sugerir imaginários alternativos e ecologicamente sensíveis. Através da composição espacial e da escolha de materiais efémeros e transformáveis, a instalação propõe um universo em constante mutação, onde resíduos do presente se entrelaçam com visões especulativas do futuro.

O projeto Voyager Golden Records foi uma das influências iniciais para o desenvolvimento de Spaceways to Earthly Matters. Lançado a bordo das sondas Voyager em 1977, o disco contém sons, imagens e músicas que procuram representar a diversidade da vida e da cultura na Terra, funcionando como um retrato simbólico da humanidade e uma possível mensagem para civilizações extraterrestres. No entanto, a influência dos golden records reside aqui menos na intenção comunicativa original e mais na sua curadoria: a tentativa de condensar a complexidade humana num único objecto.

Spaceways to Earthly Matters questiona a possibilidade de representar a humanidade através da sua cultura material – os objectos que usamos e os resíduos que deixamos. Se os golden records buscavam representar a humanidade em sons e imagens, este projecto interroga como os materiais e as tecnologias que produzimos reflectem as nossas estruturas sociais, económicas e ecológicas. Assim, a instalação não apenas especula sobre o envio de uma mensagem para o espaço, mas reflecte sobre o que essa mensagem revela sobre o nosso impacto e identidade colectiva.

 

Referências

Citadas

Bennett, Jane. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press, 2010.

Díaz, Eva. “We Are All Aliens“, e-flux Journal, 91, 2018.

NASA. The Golden Record, Abril 2025. 

Saraceno, Tomás. Aerocene – Interdisciplinary artistic community, 2012. 

Pesquisadas

Hassenfeld, Noam. “Lost Worlds: Aliens from Earth?Unexplainable. Vox Podcasts, 2022. 

Kennedy, Brian e Tyson, Alec. Americans’ Views of Space, U.S. Role, NASA Priorities, and Impact of Private Companies, Pew Research Center, July 20, 2023. 

Mazzucato, Mariana. Mission Economy: A Moonshot Guide to Changing Capitalism. Great Britain: Penguin Books Ltd., 2020.

Rameswaram, Sean e King, Noel. “Buy Me to the MoonToday, Explained. Vox Podcasts, 2024.

United Nations. Militarization of Space: Growing Security Concerns. UN Press Release, October 25, 2023.

Van der Pool, James. Dark Matter: A History of the Afrofuture, BBC Four HD, cor, 58 minutos, 2021.

Wehtje, Betty. Increased Militarisation of Space: A New Realm of Security. Horizon 21, September 12, 2023.

As fotografias são de ©Alves Ludovico, à excepção da “Detalhe de café e cristais” de ©Luis Bustamente.