Isto foi uma experiência (O computador como mestre)

A partir de “Isto é uma experiência (O computador sem mestre)”, de Ana Hatherly (poema digital publicado em 2000 em INTERACT#1, hoje obsoleto)

Enquanto experiência, investigam-se aqui as (im)possibilidades do gesto poético de Ana Hatherly através de uma arqueologia dos meios daquele que parece ser o seu único (e pouco conhecido) poema digital. “Isto é uma experiência” foi uma experiência sobre a leitura que acabou por ser, hoje, uma experiência sobre a impossibilidade da leitura.

 

Primeiro havia o URL. Havia o URL e ele situava.

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Reproduzido em Ana Hatherly, Território Anagramático, Lisboa, Documenta, 2018 (p. 232).

 

Depois veio o tempo, com as mudanças que sempre traz, os CMS que se atualizam, os conteúdos e as formas que se transformam. O URL já não situa: http://www.revistainteract.pt/interact1/lab.html.

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As memórias relocalizam-se com o tempo. O tempo também relocaliza as memórias. Hoje há o URL e ele ressitua. Há um link e ele aponta: http://www.revistainteract.pt/memory/interact1/lab.html.

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Na mão que acede, não há uma ligação quebrada, perdida, desaparecida. No destino que se abre, não há a ausência do objeto para o qual a ligação direciona. Ele está lá, mas inoperacional: desprogramado pela obsolescência programada. O computador como mestre: http://www.revistainteract.pt/memory/interact1/flash/laboratorio/lab_1.html.

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Na grande página povoada de branco do Laboratório 1, outro nome acompanha o de Ana Hatherly. Escrevo este parágrafo e navego pela página no final de novembro de 2020 e sei, por pop-ups insistentes sobre o fim do Flash, que o trabalho de António Olaio funcionará precisamente até 31 de dezembro de 2020. Nem mais, nem menos, assim têm avisado as dialog boxes em várias páginas, as notificações no ambiente de trabalho, os emails nas caixas de correio eletrónico e também alguns processos locais que fazem correr diretamente no meu computador um “desinstalador” do Adobe Flash. A seguir ao contornável bloqueio por defeito, virá o efeito do bloqueio incontornável. Reescrevo este parágrafo no início de janeiro 2021 e acrescento que esse momento já chegou. O computador como mestre: http://www.revistainteract.pt/memory/interact1/laboratorio/olaio.html.

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O trabalho de Hatherly, desenvolvido em Shockwave através do Macromedia Director, antecessor do Flash, já não funciona há algum tempo. Na grande página povoada de branco do Laboratório 1 (versão legacy), quando clicamos no trabalho de Ana Hatherly não acedemos a uma grande página em branco. É uma página mais pequena e o ícone quebrado corta o vazio do branco, inscreve a perda. Não o vazio do link quebrado. O objeto está lá. Mas está, ele próprio, quebrado. Obsoleto. O browser já não suporta mais. O computador como mestre: view-source:http://www.revistainteract.pt/memory/interact1/flash/laboratorio/lab_1.html (copiar, colar; no Firefox ou Chrome)

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“Isto é uma experiência” foi desenvolvido por Ana Hatherly em 2000, a partir de um poema visual de 1994 com o mesmo título. O poema digital programado na viragem do milénio pode ser lido como uma experiência sobre a leitura, tópico ou meta-tópico caro à autora ao longo de mais de 50 anos. Curiosamente, acabou por ser hoje, não sobre a leitura do olho humano e do modo como a mão também lê, mas antes sobre a leitura do não-olho da máquina, ainda que ela também manipule. Dito de outro modo, sem poder adivinhar – ainda que por vezes a Ana Hatherly pareçam não lhe faltar vários poderes adivinhatórios bem informados – “Isto é uma experiência” foi uma experiência sobre a leitura que acabou por ser, hoje, uma experiência sobre a impossibilidade da leitura. O computador como mistério?

Abaixo, segue o poema, sob a forma de vídeo com gravação de ecrã por método de arqueologia dos meios. Para salvar o destino de um link quebrado bastaria substituir-lhe o endereço que medeia a relação ou preencher o vazio no seu ponto de chegada. Para não perder o destino de um link, quando ele não está quebrado mas o objeto está, porque se tornou obsoleto, então, não há substituição possível. Abaixo, o poema. Não como salvação. Ainda assim, contra uma certa perda. Não como substituição. Mas, antes, como remediação possível. Também como exercício, como experiência e como releitura para um computador sem mestre:

 

Dados e metadados

Título: “Isto é uma experiência (O computador sem mestre)”

Autora: Ana Hatherly

Data: 2000 (publicado em dezembro de 2000, na secção Laboratório da revista Interact n.º 1)

Tipo: Shockwave, Macromedia Director (.dcr)

Método de arqueologia: Simulação de navegação/interação e gravação de ecrã

Ferramentas de arqueologia: Extensão Cloud Browser para Google Chrome (simulação de tab Internet Explorer para Mac); Quick Time Player

Inputs de interação: teclas (ouve-se na primeira parte do registo vídeo), rato (vê-se na segunda parte)

Data da escavação (aquela em que, após aplicar vários métodos, com tentativas e erros, o poema finalmente correu): 3 de junho de 2019

Data deste texto e das capturas que o acompanham: novembro de 2020

Data da versão revista do texto após aceitação: janeiro de 2021

Bibliografia

Hatherly, Ana (2018). Território Anagramático. Documenta, Lisboa.