Espectacularização do corpo O que aqui parece estar em causa, para além ou aquém de ideais estéticos,
é a ideia muito premente de transformação do corpo, como algo do foro subjectal, se
modela, se refigura, se transfigura, mesmo através da des-figuração. Ideia que implica
necessariamente a subordinação do corpo ao olhar do outro, a sua exibição mesma, como
corpo exposto: "Isto é o meu corpo", como enunciado performativo de uma
idividuação última. É nesta dimensão de exibição que insiste Jeudy, remetendo-a, no
entanto, para uma localização quase tribal, e explicando através dela a função da
tatuagem como representação simbólica: "A exibição da tatuagem é um gesto tido
por sagrado, é o mistério de um código figurado por uma representação simbólica que
se oferece ao olhar dos outros. À sua maneira, a tatuagem apresenta-se simultâneamnete
como uma inscrição intimista sobre o corpo e como uma manifestação pública"
(ibid, p.67).
Complexificando-se o regime de signos em que tais inscrições se
inserem, elas não deixam no entanto de constituir sempre um grau zero de codificação
que Jeudy define como o da "sociabilização da pele". Na verdade, assiste-se
hoje a um movimento imponderável de exibição do próprio, seja o corpo seja o domínio
das vivências, até então privadas. Des-subjectivado, o sujeito expõe-se e faz da carne
o espectáculo que oferece aos outros e que vampiricamente busca no outro.
Tal devir da corporeidade permite assim falar-se de uma
desantropomorfização da categoria sujeito que a filosofia vem pensando e que passa por
uma des-subjectivação crescente, como refere Sichère: "uma certa forma de
des-subjectivação trabalha em permanência nas nossas sociedades/.../". Viragem que
aponta para posturas cada vez mais efémeras, impessoais, porque anonimizadas, onde as
semióticas de subjectivação e de significância encontram o seu ponto de
interpelação.
25 - in: Eloge du sujet. Du retard de la pensée sur le
corps., Paris, grasset, 1990, p.197.
26 - Como anunciam Deleuze/Guattari, ao denunciarem a
cumplicidade entre a semiótica e os procedimentos de subjectivação, de significância
de organização do corpo em organismo. cf. Mille Plateaux, paris, Minuit, 1980,
nomeadamente, p.221.
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