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  Uma realidade acrescentada. Rui Sanches em retrospectiva

  [ Victor Flores ]

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S. João Baptista, 1989

 

Mme. De Verninac, segundo David, 1991

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Outros estratos

Os estratos das caixas, dos caixilhos, molduras e caixotes, dos tubos de ferro galvanizado, do vidro, dos revestimentos sintéticos, do bronze pintado com tinta branca industrial, das dobradiças, lâmpadas, fechos, fios e torneiras e ainda os dos panos de um branco alvo para os corpos que já lá não estão. Os estratos de um alfabeto que predomina na escultura de Sanches até ao princípio da década de 90, e que foram escolhidos não apenas pela sua fácil acessibilidade mas pela sua autonomia simbólica, ready-mades da indústria com as suas histórias próprias que se demarcam das das imagens que citam. Estratos de assemblages que constróem composições com uma aparência funcional, semi-mecânica e que em muitos casos aligeiram a dimensão simbólica ou trágica dos motivos. Será o caso do tema dos martírios na série "Santos e Frangmentos"- os olhos de Sta Luzia simbolizados por duas lâmpadas com casquilho e fio eléctrico, os olhos de S. João Baptista prolongados por dois tubos "que quase se vêem como dois chifres"- mas é também o caso da banheira de Marat ou das caixas de Mme. De Verninac, segundo David de 1991 que são aparelhadas com tubos de canalização em ferro que sugerem irrigações, circuitos líquidos, reforçados nesta última por uma torneira que encima a obra sugerindo-se como fonte ou chuveiro, suavizando o soturno da evocação funerária e agonizante.

Se todos estes objectos já funcionam como eco das experimentações e da «cultura dos materiais» das vanguardas do princípio do século ou das novas vanguardas dos anos 60, são as caixas, os elementos mais assíduos até à década de 90, que mais reverberam o dadaísmo pelo seu recurso aos receptáculos e à sua diegese conteúdo/contentor. Caixas vazias, pneumáticas, abertas ou fechadas, sobrepostas, inclinadas ou invertidas, que servem de moldura nas naturezas mortas, de recipiente para os corpos de bronze que a tinta branca disfarça de gesso. Porque vazias, secretas. Porque vazias a sua forma reforça-se enquanto totalidade, a totalidade de "objecto específico" (Judd) não redutível às suas partes, de "formas unitárias" (Morris), indivisíveis mas relacionais. São caixas colocadas com rigor e aprumo, respeitando em cada exposição a (sobre)posição correcta prevista, apesar da aparente aleatoriedade da colocação. Trata-se de um "controlo do acaso", de um acaso onde está "tudo (ou quase tudo) prestes a desconjuntar-se, tudo «preso por alfinetes»" como descreve Filomena Molder, "mas seguramente acabado, perfeito- subtileza, tensão e escândalo próprio destas obras."(7) São estas caixas que construídas em variações de módulo e com a matéria industrial do aglomerado e contraplacado contribuem para a aparência de um trabalho em curso, imprevisivelmente interrompido pelos seus actores ou personagens. São caixas para corpos ausentes, e a ausência, esclarece a comissária, "é diferente do nada".



(7) Molder, Maria Filomena, "Há esculturas que são vestígios", Matérias Sensíveis, Lisboa, Relógio d'Água, 1999, p. 68.