Estrada em obras é uma viagem encenada e posta
em curso por duas máquinas projectoras de slides. Objecto já antigo e porém ainda muito
novo, a máquina de slides ao ser hoje progressivamente afastada do trabalho pelos
softwares da informática e pelos apelidados «barcos» que lhes projectam
electronicamente a imagem, vê refundado o seu sentido doméstico e semi-privado que em
muito se associa às sessões caseiras de visionamento e revisitação das nossas viagens.
Slide atrás de slide introduz, pela substituição e continuidade, o cinetismo, a
sucessão de breves olhares e a experiência em primeira mão inerentes a uma viagem. É
para uma viagem que nos preparamos cada vez que resgatamos o aparelho do seu canto
lá de casa. A par deste simbolismo que o seu uso recupera na actualidade, esta
instalação propõe-nos através de dois projectores o sincronismo da desactualização
do antes com a actualização do depois próprios da transição
espacio-temporal que é viajar. Numa das paredes da sala um dos projectores ilumina
o percurso percorrido. É o percurso das imagens que a criança regista sempre que se
pendura no banco traseiro a olhar para trás, fascinando-a o recuo da estrada, essa
rebobinagem do antes. Na parede oposta constrói-se o trajecto contrário, o do
avanço firme, confiante, «adulto», sem desvios de olhar, e onde cada imagem é
actualizada por uma maior proximidade, por um maior contacto com o depois. Estas
são as imagens de uma estrada em obras no norte de Espanha, captadas ao meio da estrada
cada dez metros num percurso total de cerca de um quilómetro e meio. A força destas
imagens que se colam umas às outras de três em três segundos, sem no entanto
constituirem um verdadeiro fluxo, reside sobretudo num reenquadramento da percepção
óptica e sensorial- muito lentamente os referentes (montanhas, pessoas, animais,
viaturas, sinais de trânsito) substituem-se e desaparecem, são apenas anamneses, redutos
de um inconsciente óptico, espectros que logo a seguir não asseguramos ali terem estado,
mas que contudo a cada clac, clac nos fazem sentir deslocar desse mesmo espaço
intercalar que partilhamos com a máquina viajante. Metáfora da experiência do tempo,
viagem simples e completa em 324 precisos avanços de um motor, a instalação joga, por
fim, como o reconhece Isabel Carlos, comissária da exposição, com uma «matemática do
devir: aparentemente nada acontece mas tudo está em permanente mudança, e no entanto,
podemos nunca nos dar conta desse constante fluir.»(1)
(1) Isabel Carlos in Catálogo da Exposição Initiare, p.16
Victor M. E. Flores
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