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Rosário
Moreno
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Original e cópia. Iguais, diferentes ou parentes?
Maria
Filomena Molder:
Parece uma pergunta relativa às questões platónicas que foram ter
com o coração da inquietação acerca do valor da imagem.
Platão via a arte humana como uma espécie de cópia, de
restituição de segunda mão, aliás três vezes afastada do
original, que se podia entender como a arte divina ou como a fonte da
vida ou como se quiser. Ele estabeleceu em muitos graus essa relação
entre a imagem e o original. Estabeleceu aquilo a que poderíamos
chamar a rosa-dos-ventos das inquietações e das perturbações que a
imagem nos coloca, quando queremos saber o que ela vale ou a que é
que ela se refere ou, justamente, o que é ela por relação ao
original. Mas na sua pergunta não é só (e não é sobretudo) o
conceito de imagem que nos interpela, é mesmo o conceito de original.
O
original, tal como está suposto na sua pergunta, tem a ver com as
obras de que as cópias seriam reproduções. Faz-me uma pergunta que
se começou a fazer a partir do momento em que se inventaram
possibilidades de reproduzir mecanicamente e indefinidamente uma dada
obra ou uma dada manifestação ou aparência. O que é muito
interessante na sua pergunta é que está posta entre parêntesis a
relação entre uma manifestação, uma aparência, uma pessoa ou uma
árvore, e a sua reprodução.
Evidentemente,
que uma cópia não é o original. A presença do original ocupa um
espaço e desenvolve-se num tempo que não coincide com o da cópia. Dêmos
um exemplo: o São João Baptista de Leonardo da Vinci, que está no Museu do
Louvre, não é, certamente, igual à reprodução através de uma
fotografia em processo digital ou outro e que pode ser impressa num
livro ou pendurada numa parede.
Leonardo
da Vinci,
São
João Baptista,
1513-1516
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Mesmo
que fizesse uma reprodução em escala exacta da peça, pareceria que
ficava de fora uma série de componentes que têm a ver com a textura,
com o cheiro, com o género de descobertas que a minha visão faz em
relação às pinceladas que estão sobre as pinceladas, às velaturas,
às intensidades das energias das cores na sua relação...
Até agora, mesmo as melhores reproduções não conseguem reproduzir,
exactamente, os infinitos matizes e as consequências das sobreposições
das cores e das velaturas que uma obra como esta incorpora, e que os
nossos olhos se dispõem a discriminar.
Mas imaginemos que sim, que seríamos capazes de restituir, mercê de
técnicas mais aperfeiçoadas que teriam imediatamente acção sobre
mim quando estou a ver e a sentir, a textura, as sobreposições e
intensidades entre as cores ... aí perguntamos: o que é que tem em
vista uma reprodução que se quer fazer passar por um original? O que
é que isso tem em vista? O que é que isso acrescenta em compreensão?
De imediato, essa reprodução parece inutilizar qualquer tentativa de
aproximação à obra real, pondo entre parêntesis o facto de ela ter
sido produzida por alguém real, que viveu numa certa época, que se
relacionou com o seu tempo de uma certa maneira, que pintou de uma
certa maneira, que teve imitadores e produziu escola - há obras que não
são atribuíveis claramente a Leonardo da Vinci, mas sim à escola
dele. Aliás, dá que pensar que a maior parte das obras dele não
tenham sido verdadeiramente acabadas e isso diz respeito à
propriedade inteira que é a existência única de Leonardo da Vinci.
O que é que uma reprodução põe entre parêntesis? Põe entre parêntesis
a relação da obra com o ser real que a produziu. Qualquer reprodução
põe entre parêntesis isso! Aquilo que nós temos à nossa vista, ou
na nossa casa, não foi tocado, não foi transformado, não foi
deixado, não foi interrompido e tudo o que possa acrescentar, pela mão
e pela presença de Leonardo da Vinci, e isso faz a diferença de
qualquer reprodução! Penso que em qualquer reprodução, qualquer
que ela seja, e em grau mais grave aquela que tende a subverter todas
as diferenças fisicamente notificáveis, se põe entre parêntesis a
presença real de alguém que está incorporado na obra. E, na
verdade, trata-se de uma presença real e não de uma ficção.
Suspeito que a avidez insaciável pela reprodução assinala um
desenvolvimento da descrença em relação ao original.
Por conseguinte, no caso da reprodução, que visasse passar adiante
de qualquer diferença, estaria, no meu entender, a intenção de pôr
entre parêntesis isto, e pôr isto entre parêntesis é invalidar
qualquer compreensão do que seja a obra de arte, é invalidar a
diferença entre reprodução e obra de arte.
Casos há em que imitadores tentam produzir obras da mesma ordem de
outrém. Esse é um elemento estimulante para perceber a determinação
existencial de alguém que se quer fazer passar por outrém, que tem
uma identidade tal ou tem uma inquietação ou uma interrogação ou
mesmo uma suspensão acerca da sua identidade – independentemente
das consequências financeiras dessa actividade que, ainda que possam
interferir naquilo que estou a dizer, não se confundem com aquilo que
eu estou a dizer. Por outro lado, analisar o valor da obra a partir do
momento em que se descobriu que era falsa quer dizer uma coisa,
analisar o valor da obra até ao momento em que se pensava que tinha
sido feita pelo artista em questão tem outro contexto, tem outro género
de consequências interpretativas, mas, como quer que seja, isso é
mais uma mostração de que os homens gostam de introduzir diferenças
entre o que foi feito por alguém e o que foi feito por outrém
fazendo-se passar por alguém. Independentemente das regras do mercado
da arte, há pessoas que só coleccionam obras que são conhecidas
como falsas, o que tem a ver com uma certa obsessão pela compreensão
do que seja a identidade. Por outro lado, uma artista como a Sherrie
Levine, durante os anos oitenta/noventa, fazia “à maneira de”, e
a um olhar menos atento ou mesmo a um olhar mediamente atento a coisa
fazia-se passar por ter sido feita por, no que se jogam historicidade,
ironia e impotência.
Todavia, se reparar, quer
neste caso em que uma artista se decide fazer “à maneira de”,
quer nos casos da imitação e da descoberta da imitação e das
consequências que isso tem, quer no caso dos coleccionadores que só
coleccionam obras que são imitações, não se interrompe a questionação
sobre o que é um original e sobre a diferença entre um original e a
sua imitação. Bem pelo contrário, acrescentam-se novas facetas a um
problema em reformulação constante. Primeiro ponto: não se anula a
distinção. Segundo ponto: acrescentam-se novos elementos para
engrandecer a questão e não para a anular.
R.
M.:
No
caso de uma fidelíssima imitação onde está a aura? Na obra ou no
espectador?
M. F. M.:
A obra está sempre no lugar dela. Os espectadores estão sempre a
mudar. As obras sem nenhum olhar não têm qualquer consistência, mas
não são, no meu entender, a síntese de todos os olhares possíveis
sobre elas, porque todos os olhares sobre as obras têm uma restrição
quanto ao seu teor interpretativo, têm de ser aferidas pela obra.
A obra é o primeiro e o último momento de um olhar. O olhar pode, em
relação a outros olhares mais imaturos, introduzir um caminho, pode
até estabelecer uma visão que se torna clássica ou até
regulamentadora, mas não substitui nunca a obra nem é permutável
com ela. O olhar só pode nascer da obra, não pode ser permutável
com ela, se assim fosse escondia-se a obra e ficávamos com o olhar. O
olhar tem de ser sempre aferido pela obra.
Na arte contemporânea, - e
não só, desde os finais do século XIX e inícios do século XX - o
papel daquele que vê é posto em relevo de maneira muito decisiva, de
tal maneira que há alguns que pensam que as obras são substituíveis
pelos olhares ou que os olhares é que constituem a obra, mas façamos
assim: reunamos todos os olhares e não demos a ver a obra. O que é
que temos através dos olhares? É como diz Wittgenstein: «Onde é
que está a expressividade de um rosto? É nos olhos?» «Não. Não
é nos olhos.» «É na posição do nariz em relação às maças do
rosto?» «Não, não, não.» «É na boca?» «Não.» «Então
desenhe-me uma expressão do rosto sem os olhos, sem o nariz, sem as
maças do rosto e a boca.»
Realmente nós não temos um rosto sem essa relação. A
expressividade tem a ver com uma visão que eu tenho do rosto, sem dúvida,
mas o rosto é que me solicita, me pede, me interpela no sentido de eu
reconhecer a sua expressão.
Acho que não respondi à sua pergunta. Gostaria só de juntar apenas
isto: a aura é um conceito relacional, que se pode, tomando como guia
uma das suas apresentações em Benjamin, resumir assim: é o erguer
dos olhos de um ser ou de uma coisa ao nosso olhar. Nesse sentido, não
é possível fazer a lista do seres ou das coisas incapacitadas de
aura.
R.
M.:
Sem
rosto não há olhar. O primeiro é condição do segundo.
M.
F. M.:
Exactamente. Sabe que a nossa época que é tida como tão
materialista, pelo menos desde os modernos, - desde Baudelaire que se
entende esse crescimento do poder da matéria sobre a nossa vida, e
que era o modo de ele ver o progresso -, ao mesmo tempo inventa técnicas
de prolongamento do nosso corpo (sobretudo do nosso cérebro, por
exemplo, as nossas percepções), que tendem para uma imaterialidade
crescente, o que não significa, claro, que as leis da matéria não a
alimentem. O termo «imaterialidade» é muito interessante, porque dá
conta de uma espécie de substituição económica, uma redução
imensa, da espessura da nossa experiência,
daquilo a que nós, muito espontaneamente, sem termos estudos
nenhuns, consideramos que é a realidade real: por exemplo, a mesa que
interrompe o movimento da nossa mão quando a procuramos empurrar.
As
nossas experiências mais primitivas são constituídas por obstáculos
que produzem reacções directas no nosso corpo ou que implicam
movimentos precisos do nosso corpo. Para abrirmos uma porta, temos de
manipular um puxador, qualquer que ele seja e nem todos são iguais, há
uns melhor preparados para as nossas mão do que outros: Ora, essas máquinas
tão extraordinárias que o homem inventou, as computadores, realizam
uma série de operações sem que realmente e aparentemente haja uma
relação do nosso corpo com qualquer coisa que implique a noção de
obstáculo, a noção de contorno, a maestria das nossas mãos, para
além do “rato” que é ainda o que salva as nossas mãos e a nossa
vontade de símbolos.
Se olharmos bem para essa desmaterialização, vemos que não é um
combate contra a força da matéria, não é um caminho para a
espiritualização, é o caminho para a maior abstracção, isto é, a
maior separação entre a nossa actividade intelectual e o nosso
corpo, é um caminho aberto para um agravamento da dilaceração entre
corpo e alma.
As reproduções que pretendessem ser tão perfeitas que dispensassem
a obra são uma consequência desse processo de abstracção, levado
até ao limite do insuportável. De modo que podemos imaginar que
todos os artistas, produzindo o que quer que fosse, teriam logo
sistemas de reprodução que tornavam absolutamente inútil a visão
da obra que eles estavam a produzir. Já para não referir as
interrogações que desde há muito tempo têm sido feitas sobre o que
é uma obra, qual a relação da obra com o autor, se a arte ainda
pode consistir na produção de obras ou se ela se deve restringir à
visão de processos ou mesmo à simples indicação de processos.
Essas discussões que são muito úteis e muito férteis, no meu
entender, só podem ter uma função regeneradora para repor o valor
da obra e a relação da obra com aquele que vê.
R.
M.:
A mediação
técnica implica várias linguagens não só a linguagem artística.
Entre mim e a imagem interpõem-se os meus pressupostos culturais, a
linguagem artística e a linguagem numérica, algorítmica. A imagem
desencarnou, perdeu o seu peso, a sua atracção pela terra, o seu
cheiro, evadiu-se da sala de museu ou do palácio, esses lugares da
permanência, e entra em minha casa onde a posso ver a três dimensões,
fazer zooms, introduzir
movimento, acabando por reagir à presença de quem olha. A mediação
técnica afasta-me ou aproxima-me?
M. F. M.: A verdade é que a maior parte da nossa relação
com a arte é, desde há muito, desse tipo, é por reprodução, mas
isso só é um limite que tende a passar para além do limite. O
limite para além do qual tem de passar é a delimitação
espacio-temporal. Tende-se a fazer isso, vendo tudo de todos os
lugares ao mesmo tempo, mas, com isso, só ilusoriamente é que anulámos
o limite porque a coisa continua lá, nos confins do mundo ou dentro
do museu ou na casa de alguém. Entretanto, eu tenho tudo à minha
disposição e com isso, pretensamente, anulou-se o limite, mas de
modo abstracto pois não se tem mais domínio sobre o tempo e o espaço
por causa disso. O tempo continua a atormentar-nos e o espaço é
inabalável, é uma lei da natureza ou uma lei da subjectividade, como
se queira ver, quer seja kantianamente quer não seja, mas é imbatível,
não temos modo de o anular.
Francis
Bacon,
Study
after Velasquez I,
1950
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Ter
à mão essa possibilidade é bom. Não superámos verdadeiramente os
limites espacio-temporais senão de maneira muito relativa e sempre
provisória, mas ganhámos alguma coisa: podemos ter acesso inadequado
àquilo de que não nos podemos aproximar e podemos amar profundamente
essa obra e escrever um belo texto sobre ela e fazer até uma
excelente fotografia a partir da reprodução e até fazer com que
essa fotografia tenha consequências estéticas extraordinárias, mas
agora já estou a falar de outra coisa. Estou a falar do que alguém,
que é criativo, imaginativo, que é um artista, pode fazer com o que
tem à mão. Um artista faz com o que tem à mão.
Francis
Bacon,
Study
from Innocence X,
1962
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Francis
Bacon fez os vários papas Inocêncio X a partir de uma reprodução
do quadro de Velásquez e quando ele foi a Roma disseram-lhe: «Agora
é a ocasião, Francis, para ires ver o quadro.» «Nem pensar, eu não
quero ver o quadro.»
Ele não precisava de ver o quadro para fazer aquilo que fez. Aliás,
ele preferia sempre reproduções, nunca pintou
ninguém
directamente, pintava sempre a partir de fotografias. Os artistas
fazem o que fazem com aquilo que têm à mão e que a sua imaginação
e a sua feitura e os processos, que inventam para dar vazão a tal,
exigem. Não há regras estabelecidas para o que um artista faz.
R.
M.:
As
técnicas acabam por contribuir para melhor pensarmos o original.
Francis
Bacon,
Study
from Innocent X,
1964
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M. F. M.:
Por um lado, as novas técnicas, sobretudo por parte dos que não
são crianças, são recebidas por eles, por nós, como feitiçaria do
género dos vários "Doutores Faustos". Estar aqui e estar
ali ao mesmo tempo, poder ter na mão a imagem absolutamente rigorosa
de outrém que está a não sei quantos quilómetros de distância,
poder distanciar-se da terra e até sobrevoá-la e até ter uma visão
completa dela...
Quanto mais as técnicas têm a ver com o nosso cérebro, mais feitiço
parece haver, o que tem a ver com um anseio ancestral de vencer o
tempo e o espaço. Muitas vezes essas técnicas em vez de aumentarem a
nossa lucidez sobre o problema fecham-nos a ele, mas ao mesmo tempo,
para quem resiste à feitiçaria e não é engolido pelos seus efeitos
encantatórios, pode acrescentar um outro aspecto em relação à
compreensão do original que ainda não se tinha.
R. M.: Com
a técnica, a obra é que vai ao encontro do espectador e não o contrário
nas canecas, nos porta-chaves, nas t-shirts.
O espectador vai ao Louvre e como conhece as reproduções dos quadros
mais célebres passa pouco tempo a contemplá-los. A técnica fez
substituir o olhar contemplativo pelo olhar maníaco. De que acção
contemplativa se pode falar na sociedade contemporânea? O acto de
fruição em ambiente virtual altera a experiência estética?
M. F. M.: Eu acho que as pessoas que vão ao Louvre, vão
porque isso corresponde a uma expectativa social qualquer. Quando eu
era novinha, o Louvre estava muito vazio porque é que está agora
muito cheio? Certamente haverá estudos sociológicos sobre as razões
que levam multidões a esperarem em filas intermináveis para ver uma
exposição pela qual têm de passar a correr durante alguns segundos,
na maior parte dos casos não vendo, mas fotografando. Não sei o que
é que essas pessoas procuram verdadeiramente. Deve ser, como em
muitos casos em todos os seres humanos, juntar-se a outros, estar
junto com outros, poder preencher a solidão.
Para mim, quando alguém está interessado em ter uma relação com a
arte, não pode deixar de passar e de ficar nessa experiência
contemplativa.
Ainda que, evidentemente, haja experiências
genéricas de arte que implicam, não apenas a forma contemplativa,
mas uma colaboração, uma actividade. do espectador ou do visitante,
que interferem no modo como o espectador está colocado - e, em geral,
essas interferências procedem mesmo de uma visão crítica acerca da
contemplação e acerca da separação entre aquele que produz e
aquele que vê ou aquele que assiste. Estou em crer que há uma separação
entre aquele que assiste e aquele que faz ou que produz ou que
produziu e aquele que contempla. Há uma diferença, mas há uma
comunidade, sem a qual aquele que vê, não vê nada e aquele que faz,
faz para nada. Há uma comunidade que tem de ser estabelecida. A visão
estabelece uma comunidade. A visão não substitui a obra nem o
conjunto das visões é igual à obra, mas a obra, qualquer que ela
seja, espera uma comunidade e essa comunidade tem de vir de uma série
de visões. E a transmissibilidade, qualquer que ela seja, mesmo
desfigurada, mesmo posta em causa desde os tempos modernos, implica
uma maneira de fazer passar esses olhares que se constituíram numa
comunidade mais ou menos institucionalizada. Se a obra vem reproduzida
na t-shirt, nas canecas,
para mim, é como um autocarro chamar-se Cais do Sodré. Uma pessoa
incorpora de tal forma o nome do destino do autocarro que ignora que
é um cais, ignora o que é que quer dizer «Cais do Sodré», e
muitas vezes diz de tal maneira que nem se percebe que são dois nomes
separados por uma preposição e pensa que é um só nome. É o mesmo
género. Provavelmente, um dia que veja a obra dirá: «Ah, olha aqui
a minha caneta!», provavelmente dirá assim... Noutros casos, dirá:
«Ah, então era isto que estava na minha caneta!» Depende de quem
for ver.
Torso
de Apolo, c. de 450-400 a.C
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As
obras, se são vistas de perto e se se podem tocar, sobretudo as
esculturas, têm outra consequência para a nossa compreensão. É
completamente diferente... Há uma estátua grega do século V a.C, o
Torso de um Apolo, que pertenceu à colecção do Sr. Gulbenkian e foi
doada ao Museu de Arte Antiga, e que, dantes, estava exposta no centro
de uma sala conjuntamente com outras peças doadas e nós podíamos
andar à volta dela e até tocá-la (o que é impossível hoje em dia
e não é só porque o Museu de Arte Antiga não tinha na altura uma
vigilância tão grande como actualmente).
Uma vez tive levei os meus alunos - nessa altura era professora de
liceu - a uma visita guiada ao Museu de Arte Antiga e a conservadora
que nos foi mostrar essa
sala – que eu já conhecia – disse:
«Agora vão fazer uma coisa que não é permitida, mas porque eu
estou aqui, sou conservadora, vou permitir que façam: tocar nas coxas
de Apolo.»
Todos os alunos tocaram, eu também. Não se pode entender aquela
escultura se não se pode tocar, porque a pedra tem umas leves, levíssimas,
reentrâncias e umas levíssimas concavidades, que nos permitem
experimentar um milagre, o batimento do sangue. Isto não tem nada a
ver com o naturalismo. Não é para parecer verdadeiro, é para dar
conta de um deus e não fazer de conta que é um deus. Aliás, aí a
diferença entre o original e a cópia explode na sua forma mais
problemática. Onde é que está o original do deus? É esse género
de pergunta que em relação à cópia actual não se pode fazer e que
Platão podia fazer. Apolo estava no desejo dos gregos, estava num
certo modo de a vida se lhes apresentar, e esse género de originais não
está suposto no género corporativo de originais que se podem
reproduzir com uma máquina digital.
Estudante da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
FCSH
Francis Bacon fez
cerca de 30 versões do Papa
Inocêncio X de Velasquez. Quando em 1954 esteve em Roma,
recusou-se a ir à Galeria Doria-Pamphili(j), nunca tendo visto o
original.
A Senhora Professora refere-se ao Torso Masculino, que deverá figurar
Apolo, doado por Calouste Gulbenkian ao Museu Nacional de Arte
Antiga em Novembro de 1949, e que faz parte, desde então, das
colecções daquele Museu. Trata-se de uma peça grega esculpida
em mármore de Paros que mede 1,65 m. Proveio da Colecção Hope e
foi adquirida por Calouste Gulbenkian num leilão que se realizou
nos dias 23 e 24 de Julho de 1917 na Casa Christie em Londres.
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