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  [ Jorge Martins Rosa ]

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«The commission contends that the proliferation of filthy books and plays has no lasting harmful effect on a man’s character. If that were true, it must also be true that great books, great paintings and great plays have no ennobling effect on a man’s conduct. Centuries of civilization and ten minutes of common sense tell us otherwise.»

Richard Nixon, a propósito do relatório da Commission on Pornography and Obscenity, 1970

«Whatever common sense may say, history provides no proof that “great” representations have had any such effect on anyone’s actual behaviour. [...] Nixon was correct to suggest that, if we accepted the innocuousness of pornography, we would have to ascribe equal impotence to our most treasured cultural inheritances -- including religious texts and pictures. [...] We would find ourselves bereft of our myths of instruction [...]. It is supremely ironic that “worthless trash” like pornography should drive even a President to the brink of that abyss. Only to the brink, however: the unthinkable step was never taken.»

Walter Kendrick, in The Secret Museum: Pornography in Modern Culture

«Porn is often a key driver during the fledging emergent periods of new media technologies. All the porn out there in cyberspace, the soft core and the hard core, pictures of porn sirens, film stars, supermodels, your next-door neighbour, all this online raunch, helped to make the Internet grow; and made it sexy.»

Laurence O’Toole, in Pornocopia: Porn, Sex, Technology and Desire

Dizia Rousseau que o incoveniente da literatura obscena era o facto de esta ter de ser lida com apenas uma mão. Nos dias de hoje, a condição mantêm-se, mas o livro foi substituído pelo ecrã e a mão a que Rousseau se referia está sobre o rato, por vezes sobre o teclado do computador. Todavia, tudo o resto mudou. A começar pela clandestinidade do negócio, porque, mais do que nunca, é de negócio que se trata, mesmo que um free trial equivalha a «módicos» 3 ou 4 dólares debitados no cartão de crédito.

A palavra «pornografia» nem sequer tinha o mesmo sentido, significando, de forma mais próxima da etimologia, «tratado sobre a prostituição», predominantemente num sentido médico-sanitário. Desde que os frescos de Pompeia receberam essa designação, quando foram redescobertos por volta de meados do século XVIII, o termo começou lentamente a adquirir o sentido imagético que é ainda hoje o dominante. Uma outra «grafia», a de Daguèrre, impeliu o termo nesse sentido. Não será, aliás, essa uma das razões nem sempre enunciadas para o facto de a fotografia ter lutado tanto tempo pelo estatuto artístico? Não associariam muitos a fotografia aos postais obscenos que circulavam clandestinamente?

Já o cinema não terá necessitado de empreender uma luta tão titânica em favor desse estatuto, mas tal não impediu a proliferação das stag reels nem o mito de que a exibição e as condições em que esta tinha lugar era muitas vezes um prelúdio para festas tanto ou mais decadentes do que o conteúdo exibido.

Nos três quartos de século que desde então passaram, assistiu-se a mudanças quase impensáveis, por mais que o espectro dos efeitos da exposição à obscenidade por parte de determinadas camadas da população continue a assombrar-nos. Não há propriamente uma uniformidade na mudança, mas, de forma geral, assistiu-se à liberalização controlada do material pornográfico, que se estende por vezes à exibilidade dos conteúdos.

Nenhuma forma legal de liberalização conseguiu contudo ir tão longe quanto o tem feito, desde o alvor da fotografia acima referido, a tecnologia. Antes de mais porque a lei se tem sistematicamente enredado nas suas próprias teias: onde termina o «erótico» e começa o «pornográfico»? Há contextos -- científicos, educativos, artísticos -- em que algo claramente «porno» se descontextualiza da sua função primordial de excitação do espectador? Não será essa também a função do erotismo? E mesmo que se chegue a um consenso, quem não pode ou não deve ser exposto e que motivos tornam tal proibição justificável? Mas a tecnologia triunfou acima de tudo porque as fronteiras foram quebradas, e com elas o poder legislativo estatal. Primeiro com os canais X-rated de televisão por satélite ou por cabo, mais recentemente e de forma cabal com a Internet, a pornografia saiu do underground social para se tornar, quando muito, um underground pessoal, à distância de uma busca no Google ou no AltaVista.

Onde definha o poder estatal medra contudo um outro poder, o do dinheiro, como uma espada de dois gumes, mostrando cada vez mais e ocultando também cada vez mais. Estrategicamente, a pornografia na rede funciona de modo esquizofrénico. Na sua modalidade liberalizante, faculta-se o acesso livre aos sites de post, com actualizações diárias que remetem para centenas de amostras de imagens ou vídeos. Muitas dessas amostras não são mais do que pequenas armadilhas de onde explodem dezenas de novas janelas em regime de pop-up. Mas quando enfim se presume ter chegado a um destino, este é sistematicamente bloqueado pela necessidade de recorrer ao cartão de crédito.

Por vias mais tortuosas do que há pouco mais de dez anos atrás, o perfil do consumidor da pornografia online corre o risco de, mau grado todo o acesso generalizado que mencionámos, não se alterar, com a diferença de as estatísticas ocultarem um novo tipo de restrição. O adolescente que aproveitava a ausência dos pais para alugar um filme no videoclube pouco mais poderá fazer na Net do que aceder a algumas free pics ou vídeos, e o verdadeiro consumidor será o solitário descomprometido com tempo e dinheiro, afinal o lugar-comum do consumidor de pornografia que alguma liberalização terá feito inicialmente recuar, talvez com a diferença de poder optar pelo fetiche da sua eleição. Como numa profecia que se autocumpre, a caricatura ameaça tornar-se o real.