"Alguns
lamentam-se sobre a decadência da crítica, mas os seus dias passaram há
muito. A crítica tem a ver com uma distância correcta. Estava em casa num
mundo onde a perspectiva a as expectativas contavam, e aonde era possível ter
um ancoradouro fixo. Nos nossos dias, as coisas pressionam cada vez de mais
perto na sociedade humana».
Walter
Benjamin (1928)
Transição:
Ciclopes, Mutantes, Apocalípticos de Bernardo Pinto de Almeida constitui
indiscutivelmente um momento alto da reflexão portuguesa sobre a condição da
arte contemporânea. O facto de se debruçar sobre a contemporaneidade torna forçoso
que este livro saia dos caminhos e metodologias típicos da história de arte
que, quanto muito, reinscreve as obras actuais em tendências do passado. Por
estratégia crítica o autor também não se sente à vontade em procurar o seu
caminho na floresta de Brocelândia feita pelo pulular de tentativas de todo o género.
O actual é sempre uma pressão do futuro sobre o presente, mesmo se não é
possível ter uma visão do que poderia ser este futuro. O actual é, assim,
sempre uma «transição», ou é, no mínimo, o «real» em trânsito. Qual o
seu destino? Apesar de alguma ambiguidade, o essencial do projecto de Bernardo
Pinto de Almeida é mostrar que esta pergunta não tem sentido. Que a transição
tem de ser assumida mais radicalmente. Referi uma ambiguidade, que a existir,
consistiria basicamente no seguinte: se a estratégia teórica do autor destrói
a ideia de uma história continuista e com um sentido final, a conclusão inevitável
é que a transição é um trânsito dentro do actual, em direcção ao seu
cerne mais radical. Ora, definir a transição pelo apocaliptismo e o
monstruoso, à la pós-moderna, implica que estaríamos diante de um período ou
etapa provisória. Interessa-nos levar a análise desta questão tão longe
quanto possível.
Estamos
diante de um projecto ambicioso, que se desenvolve em vários estratos. Neste
livro está em curso, simultaneamente, uma reflexão sobre a arte na «pós-modernidade»,
uma interpretação das novas poéticas marcadas pela tecnologia, uma teoria crítica
da imagem e, ainda, a tentativa de cartografar as novas práticas artríticas
portuguesas. Senhor de um pensamento rigoroso, o projecto de Pinto de Almeida
situa-se no cruzamento de esta série de estratos. Será o último, dedicado à
novíssima arte portuguesa, aquele que despertará uma certa polémica, para uns
pelo tipo de selecção, que apesar de incluir dezenas de artistas, alguns deixa
necessariamente de fora; outros acusarão o sumário das análises, inevitável
dada a extensão do espaço que é abarcado; outros ainda, talvez os próprios
artistas, sentir-se-ão desconfortáveis por se verem reduzidos a exemplos
da teoria proposta ou das suas categorias. Sem serem injustas, tais críticas
falham o essencial. Para além de ninguém se ter ainda atrevido a fazer tal
mapeamento da nova arte portuguesa – e a sua necessidade fazia-se sentir, e só
por isto estamos diante de uma obra preciosa -, qualquer discussão dos seus
resultados depende da compreensão da estratégia teórica de Pinto de Almeida,
que se aplica à totalidade da arte contemporânea e, nesta medida, à arte
portuguesa.
Fazendo
jus ao título também esta obra está em transição. Antes de mais a do próprio
autor que encena aqui a dobragem do seu cabo Bojador, ou seja, o Modernismo estético,
que caracterizava as suas obras anteriores. Apesar da aparente serenidade com o
que seu olhar se espraia sobre a paisagem das artes contemporâneas, uma que
outra vez não consegue esconder o seu enfado e fastio, este livro é sinal de
uma crise profunda na visão actual das artes. Nele ecoa o diagnóstico
hegeliano, retomado por Arthur Danto da «morte da arte», diante do qual Pinto
de Almeida recua, ou melhor, tende a considerar que é mais um sinal de «transição»
para uma nova arte. Pressente-se, ao lê-lo, que o autor está numa situação
semelhante à de Walter Benjamin sobre a «aura», cujo desaparecimento
considerava indispensável, embora se sentisse pouco à vontade com isso. O
mesmo sucede com Pinto de Almeida. Reconhecendo que a «arte» mal sobrevive à
crise do modernismo,
projecto que a propulsava na sua busca de «originalidade» e ruptura, é
evidente que sente pouco à vontade perante este diagnóstico. Daí que vá
elaborar uma complexa estratégia de salvação da arte, ou das artes, sob a
forma de uma reparação, que concedendo tudo o que é possível ao pós-modernismo,
não lhe concede o essencial: a indistinção generalizada dos objectos e das prática,
e, acima de tudo, e o fim do critério estético.
Para
esta estratégia a ideia de transição é uma peça essencial. Podemos
considerar que, para o autor, estamos diante de um «momento» provisório, onde
dominam, mas apenas durante algum tempo, os «ciclopes, mutantes, apocalípticos»?
Tudo palavras que, desde os gregos, indiciam o insuportável, o «monstruoso»,
tudo servindo para evitar o híbrido e as misturas. É certo que para os pós-modernistas,
casos de Rosa Baidotti ou de Donna Haraway, o «monstro» passou a ser sinal de
uma diferença e singularidade que não cabe, e por isso perturba, uma certa visão
do que seria a «normalidade». Tudo se resumiria, assim, a passagens, misturas
e híbridos em circulação acelerada no espaço global. Pinto de Almeida aceita
o diagnóstico, pois é porque tudo ter adquirido a plasticidade da imagem, que
pode ser recombinado sem opor grande resistência: «As imagens investiram o próprio
corpo do mundo e já não são, ao menos por agora, dele separáveis»,
constituindo uma «camada espessa», de envolvência total, que constitui um «capital
imaginário». É, aliás, na sua teoria da imagem que se funda a estratégia de
Pinto de Almeida. Seja como for, se aceita o diagnóstico, não compartilha as
soluções que os pós-modernistas daí extraem, e com razão. De facto, o híbrido
em si mesmo não é uma categoria suficientemente forte para apreender a
contemporaneidade das artes. Com maioria de razão, quando a estratégia de
reparação implica a detecção de uma mais-valia estética que permita
distinguir entre o que é aceitável esteticamente, e aquilo que não o é. E
que crie um lugar de resistência.
Dadas
as premissas pós-modernistas que compartilha com boa da teoria estética
actual, a manutenção de um critério estético num quadro que lhe é antitético,
constitui tarefa é complicada, mas que é apaixonante de seguir. Tudo se giza
em torno da interpretação do Modernismo, que dispunha de critérios para a crítica
estética, nomeadamente ao separar radicalmente a arte da vida.
O fim dessa separação, provocado em larga medida pelas tecnologias digitais,
leva ao colapso do modernismo. Poderia pensar-se que fica para trás no meio de
outras curiosidades estéticas, não menos arquivadas. Nada disso sucede, pois
bernardo Pinto de Almeida ainda lhe encontra uma função, se bem que negativa.
Eis a razão porque, ao longo do livro, uma e outra vez, ele remonte ao
modernismo como horizonte de inteligibilidade. Se o Modernismo colapsou, ainda
presta um último serviço, permitindo saber quanto nos afastamos ou estamos a
afastar-nos dele.
Neste
aspecto sente-se a afinidade de Pinto de Almeida com as teses de Arthur Danto
sobre o «fim da arte» que é, afinal, uma crítica da visão modernista da
arte. O que na prática equivale a aceitar que o modernismo tem uma configuração
próxima das teses de Clement Greenberg. Num texto central para o argumento do
livro -«a crise da razão modernista» -, procede-se à crítica ao «autismo
formalista», ao historicismo estético que encara a arte como uma história
de progresso infindável, com o que se visa basicamente Greenberg e as suas
teses sobre o abstraccionismo e a vanguarda. Se virmos aquilo que Greenberg tem
a dizer sobre as vanguardas, e a sua incompreensão radical do gesto duchampiano,
é-se forçado a concluir que o «modernismo» é basicamente uma mitologia
americana das artes,
bem parcial, que de nenhum modo tem a relevância que lhe confere Danto ou
Rosalind Krauss e, que à sua maneira, Pinto de Almeida também aceita, embora
esforçando-se para lhe escapar. E é indispensável escapar à pressão desta
visão mítica das artes, pois torná-lo em paradigma faz da visão
greenberguiana uma espécie de fundamento que, mesmo depois de perder força,
continua a determinar a própria crítica. As teses do traumatismo de Neil
Lukacher ou do «luto» de Lawrence Rickels, e mesmo a defesa de retorno ao real
proposto por Hal Foster, na medida em que se movem no espaço aberto por
Greenberg, são meros espelhismos desta visão.
Dissemos
já que o autor aceita este diagnóstico, para poder reorientar a sua estratégia
crítica em direcção à ideia central de «transição». Neste ponto é
decisivo o diálogo crítico com a leitura de Arthur Danto sobre o «fim da arte»
que, passa, antes de mais pela demolição do «historicismo» abstraccionista
de Greenberg. Na verdade, ampliando e radicalizando a visão de Kosuth da «ideia
de arte» como fundamento das obras contemporâneas, Danto chega a um
essencialismo estético, de que agora não interessa cuidar, mas que Pinto de
Almeida recusa. A ideia de «transição» levada ao extremo a isso obriga,
implicando a prioridade do «actual», explicitamente afirmada por Pinto de
Almeida. Lias, esta tese depreende-se de imediato das influentes análises de
Alexander Kojève sobre a pós-história. É mesmo um pouco cómico que Danto
considere que o período «pós-histórico» começou em 1965. Como problema
registado na textologia ocidental, a pós-história é encenada Fenomenologia
de Hegel, em 1808, que recolhe os sinais da Revolução, a francesa e antes a
americana. Em Hegel, o fim da história é antecipado pelo fim da arte, que
retorna incessantemente com uma perpendicular ao «real», onde a temporalidade
é a das obras e dos actos, e não a da história. Walter Benjamin mostrou,
justamente, que a novas técnicas operam essa «actualização» incessante, o
que explica que o «real» fique assombrado por toda uma série de
fantasmagorias que o desassossegam, e que exigem «reparação». A perda de
tempo histórico não implica uma «positividade» do real, que fica aí,
inerte, à nossa disposição. Na «fenomenologia» Hegel descreve o fim da história
como a realização do Absoluto, fazendo que o real se torne especular, mas onde
a diferença entre speculum e «real» se torna inútil e perde força.
É esse o momento do especualtivo,
que é indissociável do domínio do actual. Marx operou uma interessante
anamorfose do especulativo, sustentando que a realização da história tinha de
ser prática e não metafísica. De imediato, o fim da história hegeliano, se
apresenta como uma pós-história, que determinará o próprio marxismo. Se o
especular não é o fim da história, não conseguindo abolir a diferença entre
sujeito e objecto, nem a dialéctica entre senhor e escravo, então a sua
consistência é puramente imaginária. Se aceitarmos que a Revolução que Marx
procurava no futuro, estava retida no presente, numa invisibilidade inquietante,
então os fins da história ficaram para trás, foram ultrapassados por ela.
Quase diria que o imaginário é a forma actual do especular. É neste quadro
que entendemos a afirmação de Pinto de Almeida de que «muito mais do que
um devir-real do imaginário (sonho modernista que os surrealistas perseguiram
sem descanso e até às suas últimas consequências) trata-se, de facto, de um
devir-Imaginário do real». A pós-história é o efeito de distorção de
movimento relativamente a critérios estáveis e rígidos que se jogam em cristalizações
do «presente» através de procedimentos cinemáticos, que constituem mais uma
ilusão de movimento que outra coisa.
A
primeira consequência desta tese é que nada é passado nem futuro, mas que
tudo está em actualização permanente. Imensa fatalidade de tudo o que alguma
vez foi, ou alguma vez se desejou ou se espera. Daí a impossibilidade de Pinto
de Almeida em aceitar as conclusões de Greenberg ou de Danto, o que se
consubstancia na ideia de «transição». Diz ele «Entre estas duas situações
teóricas – uma que julga ainda ser possível não apenas afrontar o modelo
modernista como até sair dele e uma outra que, pelo contrário, entende que a
narrativa da história de arte chegou ao seu fim, valerá a pena procurar a
situação (hipotética) da arte actual?»
A sua alternativa passa pela recusa da ideia da «morte da arte» e do
sentido da história, dando embora guarida às teses pós-modernistas. À
semelhança de Hal Foster e de Boaventura Sousa Santos, irá propugnar por uma
«pós-modernidade crítica que entende ressalvar da tradição crítica da
modernidade, os seus instrumentos e mesmo os eus exemplos, que critica sem os
fetichizar, procurando antes inscreve-los de novos significados, ou
desenvolvendo aspectos que, no interior do discurso modernista, ficaram
hipotecados a uma pura visão formalista”.
Dado o rigor do seu pensamento, o autor está consciente das dificuldades
que daqui saltam em catadupa. O problema não é uma solução teórica, pois
toda a jonglerie conceptual acabou se tornar um exercício paródico, mas
de superar na prática a empiria pós-modernista, que recusa todo o critério
estético, o que levaria a desembocar em «processos autistas que ressalvam o
domínio da auto-expressão como espaço de reiteração do obscurantismo».
A
estratégia de Bernardo Pinto de Almeida passa por uma radicalização da noção
de «contexto» como forma de resolver a falência do «universalismo» que
caracterizaria o modernismo, aceitando a prioridade da imagem na constituição
do actual, e os próprios dispositivos que o constituem, i.e., o «realismo mediático»,
de onde provêm todos os materiais com que trabalham os novos artistas.
Mas é evidente que isso ainda não serve de «critério» crítico, sendo
necessário fundá-lo de outra maneira. Mas tem a vantagem de justificar o facto
de que toda a materialidade sirva para arte contemporânea, justamente porque o
fim da «arte» equivale à sua máxima exorbitância. A arte coincide com a
totalidade do «real». Daí que, muito coerentemente, a temporalidade da arte
é um efeito de «transfiguração» que se recorta necessariamente no presente
ou na «contemporaneidade». Como ele sublinha, estamos perante «uma exigência
quase absoluta de um agora, de uma experiência centrada no instante
presente, em que se reclama a possibilidade de uma experiência diferida do
real, tanto quanto possível livre dos constrangimentos ideológicos, económicos,
etc., como promessa inscrita nessa experiência de um devir outro». A
contemporaneidade é uma categoria de tempo mínimo, a única que parece poder
subsistir quando a história chegou ao fim. Mas pensadas bem as cosias, a própria
ideia de um «devir outro», e um «outro real», não se funda mais do que na
memória – das lutas, dos sofrimentos e das esperanças. E em cada memória
vem toda a história, uma e outra vez.
Se
a arte coincide com a totalidade do real as obras de arte tornam-se problemáticas.
Os esforços para repará-la e refazê-la estão prescritos pelo próprio
horizonte especulativo, que já Hegel caracterizava na conclusão da
fenomenologia como uma «galeria de imagens», não restando mais do que a
combinatória e a reciclagem. Nas palavras do autor: «Julgo que o que muita da
nova arte pensa é a possibilidade de reintegrar nessa esfera da alienação
gerada pela sobreposição ao que dantes chamávamos o mundo (a natureza) por
uma camada ou por uma película de imagens uma dimensão crítica que permita não
apenas o reencontro do real como, sobretudo, a possibilidade de pensar – ou
melhor: imaginar – a sua transformação. Esse é o trabalho da crítica, como
o da arte, e nesse aspecto o maior esforço no sentido de imaginar uma
alternativa ao real quotidiano é a função que hoje compete à arte». Parece
assim fazer-se justiça ao manifesto interesse dos novos artistas pela política.
O risco aqui é que esta fique subsumido sob o império da arte, que se confunde
com a «película» formada pelas imagens e que recobrem todo o «real»,
ficando a política maquinada entre alternativas por onde se perde. A questão
é menos a pretensão de «dotar a história de um único sentido», de que o
facto de estarmos confrontados com uma linha divisória rígida, a revolução
ou a catástrofe, que tudo determina. Está em causa a maquinação de uma divisão
inexorável e já decidida. Em Bernardo Pinto de Almeida estão em tensão duas
possibilidades: a que acrescenta e redivide o actual, através de actos artísticos
que se disseminam em cadeia pela experiência,; e a que divide o presente em
torno de uma alternativa total, fazendo entra a arte numa paradoxal economia da
«salvação».
A insistência na reparação da arte
parece indicar uma inclinação para a segunda hipótese. A consequência disto
seria uma circunscrição da «transição» sobre uma afecção apocalíptica e
desencantada, fazendo das obras sinais de uma falha ou de uma crise. Se
Modernismo está a montante a reger toda a estratégia de reparação, a jusante
está a ideia de arte que foi entretanto demolida, e que ressurge como esperança
pós-histórica. Como refere Pinto de Almeida: «Outros tempos virão,
decerto, em que a palavra ou o gesto voltarão a ganhar um lugar essencial mas,
por agora, é a imagem o dispositivo que melhor nos comunica enquanto época e
enquanto presente». Mas na prática nada disso se perdeu dentro da visão
do actual que nos é proposta pelo próprio autor, também poeta de mérito que
na sua poesia se deixa de «esperas». O problema estaria na forma como uma
reparação excessiva acaba por recuperar, não o «real», mas a instituição
estética. O que leva a recuperar tudo, sem sabermos se são verdadeiramente
reparáveis, como é o caso do e museus, a própria ideia de «aura» e de «representação»,
pois toda a arte não representativa «cai inevitavelmente na esfera do
representativo» pelo simples facto de ser reproduzida, entra no museu, etc.,
como é o caso das performances e das artes eféemras, posi o «campo da arte e
o espaço «artísitico» servem de «mediação legitimadora do fenómeno artístico».
Este tipo de estratégia implica reciclar toda a esfera do simbólico, pois para
responder à ordem da mercadoria/imagem a arte terá de se «forjar a partir de
uma capacidade de simbolização». A arte que se deixa inscrever pelos signos
políticos «é aquela que não denega a sua capacidade para simbolizar ainda
que se socorra, para se figurar, de formas, técnicas e processos que escapam,
pela sua natureza, a todas aquelas que se revelaram já experimentadas e
portanto não susceptíveis de serem portadoras de ou sentido de devir em
transformação do actual». Desemboca-se, assim, num resultado paradoxal, que
se explica pelo facto de que a «transição» é ao mesmo tempo o espaço
actual das artes, e o momento em que estas se explicita como estando em crise
irremediável, o que explica que seja habitada por ciclopes, mutantes e
monstros, destinados a desaparecer.
Bernardo
Pinto de Almeida cria, assim, um quadro analítico onde se torna visível porque
razão as teoria estéticas contemporâneas se apresentam, no seu conjunto, como
critério estético absoluto. Isso já era bem evidente em Danto que, dada a
impossibilidade de um critério estético faz da escrita do teórico uma
instituição de critério, em diálogo com as «obras» e os artistas». Os
riscos assumidos pela cartografia da arte contemporânea em Portugal mostram que
Pinto de Almeida se afasta resolutamente destas posições, que em última instância
se limitam a deixar ressoar as teses de Riegl sobre o Kunstwollen ou o
que ele denominava por ästhetischer Drang. A sua recusa de um certo
expressionismo pós-romântico e à maneira como este gostava de tocar a tecla
apocalíptica, correspondia, diz Benjamin no livro sobre o Drama Barroco
«não tanto a uma prática artística genuína, como a uma época possuída
por um irreparável desejo de arte». Anos volvidos, numa certa obsessão
pelo «fim» das transições e um novo começo, mais que uma kunstwollen
parece restar uma vontade da vontade de arte, ou uma certa arte da
vontade. Perdidos todos os critérios ficaria apenas essa vontade de arte, que
se derrama por todo o lado. Daíq uue seja absolutamente necessário o
tratamento cruel das ilusões estéticas contemporâneas.
Trata-se de deixar vir as obras. Pela
sua simples materialidade todos as obras feitas e por fazer, que vêm ao
encontro de cada um de nós, resistem a toda a vontade, programa ou desejo. Em
cada obra que ilumina a vida todo o relativismo desaparece, o caos desvanece-se,
o arbitrário torna-se pecado. Só para os que ficam de fora, impedidos de
entrar no espaço que a obra circunscreve, têm razão Danto e quejandos. A obra
está em trânsito e a sua transição nunca acaba, pelo menos enquanto
existirem humanos. Devemos a Bernardo Pinto de Almeida a abertura de um espaço
onde uma apreciação da arte actual pode ser pensada com rigor, libertando-as
dos seus «amantes» celibatários e estéreis. Somente deste modo a obra de
arte se torna em fresta para o espaço dos humanos, e em fonte de maravilhamento
da vida, «como sinos, como violinos, dentro do som» (Herberto Helder).
José
A. Bragança de Miranda