FRAGMENTOS DA CRISE

  [ Jacinto Godinho ]

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“Vivemos uma época de crise” – A frase ouvimo-la todos os dias, e se não a ouvimos ele impende em cada primeira página de jornal, em cada noticiário, em cada conversa em cada notícia, em cada escândalo. Tudo o que provoca sobressalto parece abismar um desconhecido. Quer esse desconhecido seja da ordem do imensamente grande planetário como a guerra ao Iraque, os ataques terroristas ao World Trade Center, quer seja de ordem regional como a pedofília , os frangos com nitrofurano, ou quer seja ainda de pessoal como a exposição de pormenores da vida intima num “Reality Show. ”.Tudo parece prefigurar uma crise. A crise é o nome que se invoca par dar conta da inquietação provocada pelos de acontecimentos que todos os dias nos assaltam. O que estamos vivendo não é uma mera crise europeia. De crises europeias está a nossa história cheia e o mundo farto. O que estamos vivendo é a Europa como crise. Isso só surpreende quem imaginava que a Europa em construção estava feita, ou quase, quando realmente ela esteve sob tutela política e entre parêntesis durante quase meio século (vigiada ao mesmo tempo pelos Estados Unidos e a União Soviética). A queda do Muro alterou os dados da questão, mas não o fundo no que diz respeito à Europa. Haverá quem pense que depois dessa queda a nossa nova condição de gregos dos americanos não é assim tão desagradável como isso. Mas essa ilusão (deliciosa para tantos...) é ainda uma leitura de europeus já inconscientemente escravos. Nada indica que os novos romanos - em todo o caso, estes que estão assumindo a cruzada bíblica contra a Jericó-Bagdad - nos tomem por gregos. Eles mesmos são os seus gregos. Não precisam de nós para o ser, basta ler o que, neste momento, dizem de si mesmos e de nós.” 

A nossa Europa ou o reino dividido,  Eduardo Lourenço - Quinta-feira, 13 de Março de 2003

      
Será a invocação quotidiana da palavra crise, um sintoma de uma experiência a desfazer-se permanentemente?

O quotidiano é-nos dado sobre a forma da duvida e da desconfiança permanente.

Essa desconfiança reforça míticamente as grandes categorias, da Felicidade, Bem –Estar, Justiça, Igualdade que na versão católica estão no pós-existência e na versão modernista virão no futuro.

Avec les deux tours du World Trade Center, s'est visiblementeffondré tout le dispositif (logique, sémantique, rhétorique, juridique, politique) qui rendait utile et signifiante la dénonciation somme toute rassurante des Etats voyous. Très tôt après l'effondrement de l'Union soviétique (« effondrement » parce qu'il y a là l'une des prémisses, l'un des premiers tours de l'effondrement des deux tours), dès 1993, Clinton, à son arrivée au pouvoir, inaugurait en somme la politique de représailles et de sanction contre les Etats voyous en déclarant, à l'adresse des Nations unies, que son pays ferait l'usage qui lui semblerait approprié de l'article exceptionnel (l'article 51) et que, je cite, les Etats-Unis agiront « de manière multilatérale si possible, mais de manière unilatérale si nécessaire”

La raison du plus fort – Jacques Derrida ( Janeiro de 2003 )
      
A crise habita uma narrativa de natureza ambígua, unindo na desconfiança sobre o presente tanto os nacionalistas de direita, como os legalistas de esquerda. Em ambas as argumentações o presente está sempre “fora-se si”, fora do eixo, ou do rumo da experiência.  Para os legalistas de esquerda o passado é sempre o culpado da crise presente por que não a pressentiu e não a combateu previamente . Para os conservadores de direita,  em cada narrativa da crise quer seja na micro escala político-económica dos meses e anos, ou na macro escala filosófico-cultural das épocas, o passado é sempre apresentado sobre a forma de um tempo onde se viveu numa situação diferente, melhor e oposta à que se vive no presente. Assim temos hoje a crise das grandes categorias, a crise do ser, a crise da identidade, a crise do Estado Providência, a crise da escola, a crise dos média. O passado em cada argumentação regional da crise é sempre a época  de referência “sem crise “,  das grandes categorias, da identidade do Estado , da escola, dos valores. Um adquirido que subitamente os “demónios do presente – televisão; consumismo,; liberalização de costumes - suspendem. Raramente na argumentação que conta as crises, se dá conta de todos os “presentes” passados vidos como crise.

Sluga defines it as a historical a priori the following way: "The essential consideration here is that human experience always takes place in a present perceived as constantly changing, as suspended between past and future, as constituting a break between them" He then goes on to describe "three historical preconditions for the emergence of a modern sense of crisis" which stem from Foucault's critique of modernity: a directedness to the present which "heroizes" it, the perception of the heroized present "as sharply separated from the past as well as the future" within a linear conception of time as a sequence of moments, and, the loss of confidence in a modern culture's own powers (this third condition is not clearly identified).”

Frank H. W. Edler

       

Significa isto que a crise é um fenómeno puramente retórico? A sua rectoricidade é sintoma de uma dinâmica que a coloca como peça fundamental não da crise da experiência, não de um “fora” mas de um fundamental “ dentro” .

A crise é um dos motores da experiência i.e. portanto da política, da economia, da cultura e da identidade. Parece estranho e paradoxal que os dispositivos que procuram superar e debelar as crises, como as lógicas políticas, acima referidas, de esquerda e direita, sejam movidos a crise.

Então como hoje, sem que nada nem ninguém verdadeiramente tenha acreditado ou genuinamente tenha entendido o que mudou, o que ficou foi o que não ficou e o que restou foram as ruínas de um futuro cristalino e hiper-real, que já caía nas Bolsas e que entre a poeira fantasmagórica do absurdo que se abatia sob uma era desceu ao grau zero, à procura de uma base, de uma fundação e de um principio. O choque, o indizível, o auge de um tempo feito televisãoe de uma televisãofeita tempo, como Eduardo Lourenço a semana passada se lhe referiu na conferência da Universidade Católica em Lisboa, esse auge, transformado na invenção da História em directo nos écrans de todo o mundo, da CNN à Al-Jazira, da RTP a Cabul, foi chamado "ground zero", base zero. Duas palavras que nos muitas significados que sugerem, naquela altura como hoje, entre o fogo e a vertigem, tomaram o discurso dos homens, os contornos do tempo e a impiedosa máquina da informação global, da acção mutante e da tecnologia digital.

O "ground zero", a base zero, aponta o fundamento, a fundação, por isso a ausência e o vazio.

As Raízes e as Mãos, Fernando Ilharco

Segunda-feira, 27 de Janeiro de 2003
     

À quem argumente que o problema da experiência moderna nem parece ser a crise mas sim a falta dela. A falta de uma “crise” que totalize toda a experiência. Candidatos não faltam sob a forma da globalização  ou do terrorismo por exemplo.  Mas a mesma globalização que assusta ( como o mercado da mão de obra ) também seduz ( como o mercado da WWW ou o mercado do saber ). No caso do terrorismo a questão é saber qual a crise que está por detrás ( a pobreza ? -  como se os suicidas são gente culta e rica em muitos casos ! ), as civilizações em confronto?( então porque será o Iraque laico mais perigoso que Arábia Saudita religiosamente fundamentalista, ou a Coreia do Norte comunista e com armas atómicas mais que o Paquistão fundamentalista e também com armas atómicas? )

 

Actualmente temos a sensação que todos os dias rebentam crises. Parecem “picos” de febre contínuos : Entre-os-rios; Orçamento limiano; Universidade Moderna; o Défice do Orçamento; Pedofilia... Perante a crise tudo mexe, os políticos actuam, as policias agem, a justiça mexe-se, os jornais e as televisões vendem. Perante a crise a política salta, em jorro, em excesso, ataca a crise e em estado de emergência salta o plano de superação posto de lado aquando da próxima crise febril.

A experiência vive prisioneira das crises sem critério. Problemas tão dispares quanto a Guerra e a violência familiar no lar dos Albarran sucedem-se  equalizados por uma estranha lógica da crise que os uniformiza e faz equivaler.

A máquina produtora de crises não pára. ( Pronto! Aceitemos que também o termo máquina é critico!)

This weird 'coincidence of opposites' reached its peak when, a few months ago, Harald Nesvik, a right-wing member of the Norwegian Parliament, proposed George W. Bush and Tony Blair as candidates for the Nobel Peace Prize, citing their decisive role in the 'war on terror'. Thus the Orwellian motto 'War is Peace' finally becomes reality, and military action against the Taliban can be presented as a way to guarantee the safe delivery of humanitarian aid. We no longer have an opposition between war and humanitarian aid: the same intervention can function at both levels simultaneously. The toppling of the Taliban regime is presented as part of the strategy to help the Afghan people oppressed by the Taliban; as Tony Blair said, we may have to bomb the Taliban in order to secure food transportation and distribution. Perhaps the ultimate image of the 'local population' as homo saceris that of the American war plane flying above Afghanistan: one can never be sure whether it will be dropping bombs or food parcels.

Are we in a war? Do we have an enemy? - Slavoj Zizek
       
Argumenta-se que estas crises mediáticas não são a crise. Essa invisível sob a espuma mediática, subjaz, subterrânea, pronta a rebentar como um terramoto. O que não se pensa não se supera.

“Le traumatisme reste traumatisant et incurable parce qu'il vient de l'avenir. Le virtuel traumatise aussi. Le traumatisme a lieu là où l'on est blessé par une blessure qui n'a pas encore eu lieu, de façon effective et autrement que par le signal de son annonce. Sa temporalisation procède de l'à-venir. Or ici l'avenir, ce n'est pas seulement la chute virtuelle d'autres tours et structures semblables, ou encore la possibilité d'une attaque bactériologique, chimique ou « informatique », etc. Même si cela n'est jamais à exclure. Le pire à venir, c'est une attaque nucléaire menaçant de détruire l'appareil d'Etat des Etats-Unis, c'est-à-dire d'un Etat démocratique dont l'hégémonie est aussi évidente que précaire, en crise, d'un Etat supposé garant, seul et ultime gardien de l'ordre mondial des Etats normaux et souverains. Cette virtuelle attaque nucléaire n'exclut pas les autres, elle peut être accompagnée d'offensives chimiques, bactériologiques, informatiques.

La raison du plus fort – Jacques Derrida ( Janeiro de 2003 )

     

A verdadeira crise é não haver crise:

 

A crise pensa-se em grande, com grandes categorias, Justiça, Verdade,  Humano, Técnica, Cultura. Também as grandes categorias vivem da crise que tentam debelar e sobrevivem, sobrevivem....

A mio parere, il counseling filosofico e più in generale la filosofia in pratica offrono se non altro l’opportunità di uno spazio e un tempo specifici di sospensione dell’immanenza del quotidiano, della routine, per far entrare al loro posto la riflessione e la cura del pensiero, il confronto filosofico con l’alterità, con i valori, le idee.

Crisi della razionalità e ritorno alla pratica filosofica Di Alessandro Volpone

     

Uma crise de cada vez ou várias ao mesmo tempo?

 

Uma de cada vez é obsessão... intensidade. Muitas são perdição ... poesia...

 
   
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