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  A reabertura do Museu do Design no CCB

  [ Victor Flores ]

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Três anos depois da sua inauguração em 1999 no Centro Cultural de Belém, e três meses após o seu encerramento para manutenção das peças e para remodelação do espaço expositivo, o Museu de Design reabriu no passado mês de Maio com uma nova perspectiva da Colecção Francisco Capelo e com a exposição "7 Ambientes- 7 Designers/Arquitectos" que estará aberta ao público até ao próximo mês de Novembro.

Para além do novo pretexto para a visita serem as peças de autores como Françoise Bauchet, Axel Salto, Guido Gambone e Carl Halier, recentemente adquiridas pelo coleccionador, as várias remodelações curatoriais, que estiveram a cargo da Arqª. Margarida Veiga, directora do Centro de exposições do CCB, são algumas das mais pertinentes atracções desta nova mostra. A principal delas é a nova apresentação visual do espaço: painéis de texto em suporte de vidro à entrada; painéis cenográficos coloridos de acordo com os estilos e movimentos das peças agrupadas; maior número de peças em cada espaço e a possibilidade de ver o mesmo objecto e respectiva estrutura quer no chão quer suspenso (Superleggera, Gino Ponti, 1957) ou inclinado num nível elevado da parede.

Das 350 peças incluídas na reabertura do Museu são apresentadas cerca de 202 novidades, decorrentes ou de novas aquisições ou que, já existindo, ainda não tinham sido apresentadas. O facto da colecção do Museu contar com um número superior a 800 peças deixa logo à partida a possibilidade, prevista, de haver rotatividade das peças do acervo. Uma outra alteração de fundo foi a opção pela disposição híbrida das peças, ou seja, passaram a estar expostos em cada secção objectos de diferentes naturezas ou usos (sofás, cadeiras, mesas, candeeiros, cómodas e cerâmicas), reconstituindo de uma forma mais clara para o público os contextos e ambientes originais das décadas e dos estilos a que as peças remontam. Um dos mais bem conseguidos exemplos desta reconstituição dos ambientes e dos imaginários inspiradores das peças é o núcleo dos anos 60, inspirado na conquista espacial e suas respectivas viragens tecnológicas, e onde estão inseridos a cadeira Ball de Eero Aarnio (1965) e o candeeiro Pendant Shake Falkland de Bruno Munari (1964).

Por outro lado, procurou-se corrigir a crítica, muito recorrente desde 1999, de este Museu ser um "museu da cadeira", expondo-as agora, se não num número significativamente menor, pelo menos de uma forma mais distribuída, reforçando a sua leitura de acordo com as técnicas, os materiais e as respectivas raízes geográficas. A cadeira continua a ser aqui assumida como um dos mais marcantes paradigmas da evolução do design ao nível estético, tecnológico e de materiais. Da cadeira Nagasaki de Matégot (51), já projectada para a produção em série, passando pela Plastic Side Chair de Charles & Ray Eames (50-53), a primeira a ser produzida em série sem necessidade de estofos, até à famosa cadeira Panton (60-67), a primeira inteiramente em plástico reforçado, ficam aqui registados alguns dos mais pertinentes estágios de experimentação e industrialização do mobiliário e do seu prazer. Outras cadeiras comprovam as diferentes preocupações do design na recta final do século: a questão ambiental e ecológica, construindo-se modelos inteiramente à base de materiais recicláveis como a Wiggle Side Chair de Frank O. Gehry (72); o design como ornamentação e símbolo de status social: cadeiras Proust de Mendini (88) e Rick de Tomás Taveira (85); ou ainda o design em edição limitada (Cómoda de Siza Vieira, 85).

O novo percurso solicita uma viagem no tempo desde os anos 40 ao ano 2000, no qual sobressaem os principais símbolos do gosto e do conforto, do uso e da funcionalidade, da high-tech, do kitsch e do anti-design do século XX. Se no princípio da visita ressaltam de um compartimento-montra as peças de luxo da indústria vidreira de Murano (Jarra, Paolo Venini, 1952), ou a famosa Mesa Arabesco de Molino (1950) como sintomática da descoberta da elegância do contraplacado, alguns dos principais ex-libris da colecção marcarão a sequência do percurso: a versatilidade da estante Bibliothèque Mexique de Charlotte Perriand (1953), o estilo pop do canapé Marilyn do Studio 65 – uma das mais marcantes manifestações da expressão "Form follows fun" –, ou ainda o uso do metal no sofá Big easy de Ron Arad (1988).

Contudo, a possivelmente mais questionável das decisões curatoriais é a nova proposta de circulação no espaço da exposição: procedeu-se à abertura e ligação do corredor final do piso mezanino (o 2.º nível da visita) ao hall de entrada do Centro de Exposições. O visitante acaba a visita praticamente no mesmo ponto onde comprou o bilhete. Tal decisão terá dotado a colecção com uma leitura mais linear e unívoca, possivelmente mais adequada às visitas de estudo (?) que compõem aquela que é maior percentagem das entradas no Museu, ou, mais concretamente, ao projecto de um novo espaço de livraria que coincidirá no hall de entrada com esse ponto de saída da exposição de design. O resultado desta alteração é a leitura fazer-se agora cronologicamente dos anos 30 aos anos 90 sem haver a "obrigação" do visitante, para poder sair do Museu, ter que fazer, tal como no circuito anterior, o percurso / a leitura inversos, que sempre poderia resultar numa "releitura". Em breve o visitante ver-se-á a sair para um espaço de venda de postais, catálogos e livros, e não como antes para o hall das exposições temporárias, onde poderia ser levado a visitar outras exposições. Com esta modificação corre-se ainda o risco de desviar público da recente exposição temporária organizada pelo Serviço de Educação (uma cronologia ilustrada e comparada do design, inaugurada no dia Nacional dos Museus) e que está localizada no corredor que parte do hall de entrada do Museu de Design.

Em termos editoriais, acompanham no momento a exposição uma brochura com a referida cronologia, concebida e exposta no Serviço de Educação, assim como uma outra, explicativa das várias fases da colecção, que brevemente será completada por um catálogo raisonné que procurará colmatar algumas das brechas deixadas pelo primeiro catálogo de 99 organizado pelo coleccionador, e onde constarão dados como quem edita a peça, quem a continua a produzir, assim como o contexto inicial em que foi criada.

O Museu da Cadeira

A crítica do "Museu da Cadeira", muito debatida nos últimos anos na imprensa especializada, trouxe em primeiro lugar um questionamento sobre a denominação do museu como «Museu de Design», e em segundo lugar um rasto de outros questionamentos, ainda que não originais, sobre a dicotomia entre gosto privado / exposição pública, ou ainda sobre o eventual favorecimento do Estado a um coleccionador privado.

Antes de mais, "Museu da Cadeira" aplicava-se sobretudo ao facto de o acervo da Colecção de Francisco Capelo incidir sobretudo em peças relacionadas com o design de mobiliário, não abarcando outras áreas do design moderno, como o design gráfico, têxtil, etc. Um facto de difícil gestão para o museu, uma vez que o acervo tinha nascido a partir do gosto pessoal do coleccionador e dos seus interesses de natureza privada. A eventual ingerência por parte do CCB na linha de orientação da colecção nesse momento seria tanto impossível – a colecção chegou nos finais dos anos 90 ao CCB, numa fase já muito avançada da sua constituição – como, tratando-se de uma colecção privada, reprovável.

Por outro lado, a crítica feita tinha uma dimensão redutora a vários níveis. Primeiramente por esta ser uma colecção de um notável valor histórico, cobrindo com peças de designers famosos uma parte significativa do design do séc. XX (desde os anos 30 até à actualidade). Em segundo lugar, pelo facto de, além das peças de mobiliário e de uso diário, o acervo conter ainda peças únicas e protótipos industriais (o confessado fetiche do coleccionador) de grande valor comercial e museológico (os protótipos resistindo como símbolos de experiências técnicas com os novos materiais do século, como o plástico). E, por último, pela razão de ter havido alguma preocupação por parte de Francisco Capelo quanto à escala museológica da colecção, criando nomeadamente núcleos autorais como os que estão apresentados na exposição "7 Ambientes- 7 Designers/Arquitectos".

À "crítica da cadeira" faltou a perspectiva do longo prazo pensada desde o início por Margarida Veiga ao projectar o Museu de Design como um museu em constituição que partia de um embrião inicial que era a Colecção Capelo. A denominação foi propositadamente abrangente para não reduzir o projecto ao titulado "Colecção Francisco Capelo" tornando-o antes permeável à eventualidade de novos depósitos ou doações, como o foi recentemente a doação ao Museu de Design pela Caixa Geral de Depósitos do antigo mobiliário desenhado por Daciano Costa para aquela instituição.

Por outro lado, a instalação do Museu de Design no CCB levantou uma outra ordem de questões, que incidiam sobre o facto de, tendo o CCB dependido para a sua criação do erário público e sendo actualmente uma Fundação semi-pública participada pelo Ministério da Cultura, a cedência de uma tão significativa parcela de espaço no Centro de Exposições (cerca de 1160m²) para a exposição permanente de uma colecção particular por um período mínimo de dez anos (ver História do Museu de Design) poderia ser entendida como um sinal não tanto de incentivo mas de claro favorecimento público ao coleccionismo privado. Isto porque o Centro de Exposições do CCB passou a promover uma colecção particular e sobretudo a valorizá-la pelo simples facto de que a conserva, inventaria, cataloga, organiza e principalmente porque a expõe num espaço-museu. Para todos os efeitos será para sempre uma colecção de design que teve "ares de museu" e o seu valor comercial terá saído largamente beneficiado. Questões desta ordem foram também frequentemente apresentadas a propósito, nomeadamente, do surgimento do Museu de Design de Londres, criado pela Fundação Conran. No entanto, no caso português a questão da legitimidade da concessão poderá ser sempre relativizada ou "amortecida" pela consideração do interesse público do país passar a ter a oportunidade de, no seu principal espaço de exposições (um dos espaços culturais mais visitados pelos cidadãos nacionais e estrangeiros), poder apresentar uma valiosa colecção de design, única em Portugal e das únicas na Europa. O Estado sairá neste caso favorecido não só por apresentar ao público peças que abordam as principais questões estéticas, funcionalistas, tecnológicas e de gestão de materiais da produção industrial do século XX, mas também porque presumivelmente ser-lhe-á doada a colecção.

Ter-se evitado a designação da mostra como "Colecção Francisco Capelo" terá desde o princípio aligeirado a crítica de um favorecimento público à propriedade e ao gosto privados, ou desviado a suspeita de se ter tratado de um protocolo de exclusividade entre a instituição pública e o coleccionador, tal como acontecera poucos anos antes entre o Sintra Museu de Arte Moderna (cujo edifício pertence à Câmara de Sintra) e o coleccionador Joe Berardo.

Por outro lado ainda, o facto de o CCB inaugurar um Museu de Design com peças de designers/arquitectos portugueses (Filipe Alarcão, Pedro Silva Dias, Siza Vieira, Souto Moura, etc.) providenciou a possibilidade de futuras colaborações do Museu com o sector industrial nacional, sugerindo-se não só novas formas de financiamento/patrocínio como também eventuais exposições temporárias com as novas apostas da indústria portuguesa de design, à imagem dos modelos de funcionamento dos museus de design no resto da Europa. Também de grande relevo, a inserção do Museu de Design no CCB serviu de estímulo ao reforço da programação na área do design, como o demonstram a recente exposição sobre Verner Pantom ou sobre Dieter Rams, neste caso resultante de uma parceria com a «Experimenta Design».