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  Conversa de Supergenes

  [ Clara Pinto Correia ]

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A melhor maneira de fazermos homenagem ao que poderá vir a passar-se no futuro no domínio da manipulação genética e performance desportiva, já que tudo isto por enquanto ainda está completamente dentro do domínio especulativo, é ouvirmos um bocadinho de uma desbunda entre três cientistas que estão a jantar juntos depois de mais um dia de sessões de um congresso da Embryo Transfer Society. Os protagonistas somos eu, o Jim, que trabalha em clonagem, e o Dick, que trabalha em fertilização. O Jim está mesmo dentro daquela linha dura de constituir empresas, patentear resultados e ganhar dinheiro, e está há um bom bocado a discutir comigo a possibilidade de no futuro podermos manipular o genoma dos nossos embriões para eliminarmos doenças como a depressão ou a ansiedade. Eu estou a fazer de advogada do diabo, e ele entusiasma-se e começa a desenvolver um cenário hipotético em que se eliminavam e genes e inseriam genes a granel e a gosto.

Nesta altura, Dick já não consegue ficar calado. Diga-se em seu abono que ele nunca desistiu da investigação básica e nunca foi patrocinado por uma companhia, e custa-lhe a acreditar que dois adultos responsáveis sentados ao pé dele falem de genes de ânimo tão leve, como se os genes se pusessem a funcionar pela sua mera presença. Conhecido por ser um professor sério e o melhor advogado do diabo das suas próprias experiências, recorda-nos que a expressão genética é regulada por promotores, outros constituintes do ADN responsáveis por controlar a actividade de um dado gene ou de um conjunto de genes. Ou será que imaginávamos que todas as centenas de milhar de genes no nosso corpo estavam completamente activas a toda a hora? Será que não sabemos que os genes estão permanentemente a ser activados e desactivados para que os organismos possam funcionar?

Mas os prazeres da ciência ainda dependem bastante da nossa vontade de sonhar. Nenhum de nós se consegue conter. Assim que este lembrete refreador é lançado, descobrimos que implica outra possibilidade excitante. Os promotores efectuam a sua missão reguladora respondendo a diferentes sinais, como as hormonas ou as concentrações de metal. Portanto, digamos que...
Dick acabou o seu sermão. Agora está só a delirar:

- Queres que o teu filho seja alto? Toda a gente parece querê-los altos hoje em dia. Que é para depois se transformarem nos novos heróis do basquete e os pais ficarem ricos. É ou não é? Nesse caso, o que tu queres é esse famoso produto genético chamado hormona de crescimento. Mas tu não queres que o teu filho se torne num gigante quando tiver dois anos. Queres manter o gene quietinho até o miúdo chegar à adolescência. Ora, tudo o que tens de fazer é fabricar um promotor para o gene da hormona de crescimento que responda a... não sei, qualquer coisa que não faça mal, um certo nível de zinco, por exemplo. Enxertas esse promotor no genoma do teu núcleo de espermatozóide eleito, transfere-lo para o ovo, mais tarde a criança nasce e quando tiver treze anos tu dás-lhe pílulas de zinco. Oh, como cresce! E cresce! E podes modular o crescimento aumentando ou diminuindo as doses de zinco. Que tal?

Há aqui muito potencial, pelo que cenários bizarros irrompem de todos os lados da mesa. Acho bastante divertida a ideia de este promotor manipulado a depender de zinco acabar por ser passado por caso para uma senhora que nasça três gerações mais tarde. Acontece que esta senhora não faz ideia de que é portadora do promotor e, um dia, na casa dos cinquenta, tem de tomar zinco por uma razão que não tenha nada a ver. Ou decide simplesmente tomá-lo devido a um artigo do jornal da manhã que diz que um novo estudo demonstra os grandes benefícios do zinco. Essa pobre senhora só queria prevenir os ataques cardíacos. Mas de repente começa a crescer! E não faz ideia de porque é que isso lhe aconteceu!

Contudo, não tenho oportunidade de me rir muito porque há alguém que prontamente se delega o prudente papel de desmancha-prazeres da festa e me diz que isso não tem piada. Além disso, como todos acabamos por concordar, não é de todo exequível. Ao contrário do culpado da fibrose cística, a maioria dos genes não trabalha sozinha; são coordenados por complexos esquemas de interacções, por vezes em grupos de mais de cinquenta, pelo que nunca será assim tão fácil manipulá-los com um resultado específico em vista. Para além disso, o mesmo zinco que activaria promotores para estimular um gene a fabricar a hormona do crescimento podia ao mesmo tempo dizer a outros promotores que desactivassem outro gene de cujo produto precisamos. Isso seria muito provável, porque vários promotores, cujos vários grupos modulam diferentes genes, respondem aos mesmos sinais. Seria tudo uma grande embrulhada. Nesta altura, a empregada de mesa vem anunciar-nos que já não têm o vinho que pedimos e o entusiasmo sobre a modulação de genes arrefece.