A melhor maneira de fazermos homenagem ao que
poderá vir a passar-se no futuro no domínio
da manipulação genética e performance
desportiva, já que tudo isto por enquanto ainda
está completamente dentro do domínio especulativo,
é ouvirmos um bocadinho de uma desbunda entre três
cientistas que estão a jantar juntos depois de mais
um dia de sessões de um congresso da Embryo Transfer
Society. Os protagonistas somos eu, o Jim, que trabalha
em clonagem, e o Dick, que trabalha em fertilização.
O Jim está mesmo dentro daquela linha dura de constituir
empresas, patentear resultados e ganhar dinheiro, e está
há um bom bocado a discutir comigo a possibilidade
de no futuro podermos manipular o genoma dos nossos embriões
para eliminarmos doenças como a depressão ou
a ansiedade. Eu estou a fazer de advogada do diabo, e ele
entusiasma-se e começa a desenvolver um cenário
hipotético em que se eliminavam e genes e inseriam
genes a granel e a gosto.
Nesta altura, Dick já não consegue
ficar calado. Diga-se em seu abono que ele nunca desistiu
da investigação básica e nunca foi patrocinado
por uma companhia, e custa-lhe a acreditar que dois adultos
responsáveis sentados ao pé dele falem de genes
de ânimo tão leve, como se os genes se pusessem
a funcionar pela sua mera presença. Conhecido por ser
um professor sério e o melhor advogado do diabo das
suas próprias experiências, recorda-nos que a
expressão genética é regulada por promotores,
outros constituintes do ADN responsáveis por controlar
a actividade de um dado gene ou de um conjunto de genes. Ou
será que imaginávamos que todas as centenas
de milhar de genes no nosso corpo estavam completamente activas
a toda a hora? Será que não sabemos que os genes
estão permanentemente a ser activados e desactivados
para que os organismos possam funcionar?
Mas os prazeres da ciência ainda dependem
bastante da nossa vontade de sonhar. Nenhum de nós
se consegue conter. Assim que este lembrete refreador é
lançado, descobrimos que implica outra possibilidade
excitante. Os promotores efectuam a sua missão reguladora
respondendo a diferentes sinais, como as hormonas ou as concentrações
de metal. Portanto, digamos que...
Dick acabou o seu sermão. Agora está só
a delirar:
- Queres que o teu filho seja alto? Toda a
gente parece querê-los altos hoje em dia. Que é
para depois se transformarem nos novos heróis do basquete
e os pais ficarem ricos. É ou não é?
Nesse caso, o que tu queres é esse famoso produto genético
chamado hormona de crescimento. Mas tu não queres
que o teu filho se torne num gigante quando tiver dois anos.
Queres manter o gene quietinho até o miúdo chegar
à adolescência. Ora, tudo o que tens de fazer
é fabricar um promotor para o gene da hormona de crescimento
que responda a... não sei, qualquer coisa que não
faça mal, um certo nível de zinco, por exemplo.
Enxertas esse promotor no genoma do teu núcleo de espermatozóide
eleito, transfere-lo para o ovo, mais tarde a criança
nasce e quando tiver treze anos tu dás-lhe pílulas
de zinco. Oh, como cresce! E cresce! E podes modular o crescimento
aumentando ou diminuindo as doses de zinco. Que tal?
Há aqui muito potencial, pelo que cenários
bizarros irrompem de todos os lados da mesa. Acho bastante
divertida a ideia de este promotor manipulado a depender de
zinco acabar por ser passado por caso para uma senhora que
nasça três gerações mais tarde.
Acontece que esta senhora não faz ideia de que é
portadora do promotor e, um dia, na casa dos cinquenta, tem
de tomar zinco por uma razão que não tenha nada
a ver. Ou decide simplesmente tomá-lo devido a um artigo
do jornal da manhã que diz que um novo estudo demonstra
os grandes benefícios do zinco. Essa pobre senhora
só queria prevenir os ataques cardíacos. Mas
de repente começa a crescer! E não faz ideia
de porque é que isso lhe aconteceu!
Contudo, não tenho oportunidade de me
rir muito porque há alguém que prontamente se
delega o prudente papel de desmancha-prazeres da festa e me
diz que isso não tem piada. Além disso, como
todos acabamos por concordar, não é de todo
exequível. Ao contrário do culpado da fibrose
cística, a maioria dos genes não trabalha sozinha;
são coordenados por complexos esquemas de interacções,
por vezes em grupos de mais de cinquenta, pelo que nunca será
assim tão fácil manipulá-los com um resultado
específico em vista. Para além disso, o mesmo
zinco que activaria promotores para estimular um gene a fabricar
a hormona do crescimento podia ao mesmo tempo dizer a outros
promotores que desactivassem outro gene de cujo produto precisamos.
Isso seria muito provável, porque vários promotores,
cujos vários grupos modulam diferentes genes, respondem
aos mesmos sinais. Seria tudo uma grande embrulhada. Nesta
altura, a empregada de mesa vem anunciar-nos que já
não têm o vinho que pedimos e o entusiasmo sobre
a modulação de genes arrefece.
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