| "Estas são imagens que nunca esperámos 
              ver" afirmou J.R. dos Santos comentando em directo na RTP1, 
              no dia 11 de Setembro, o colapso das torres gémeas do World 
              Trade Center em Nova Iorque. O obvio elemento de verdade desta afirmação 
              não nos faz esquecer no entanto uma outra sensação 
              só aparentemente contraditória: " Onde é 
              que eu já vi isto?" Por uma espantosa coincidência, nessa altura, 
              em exibição em Nova Iorque estava um filme - Operação 
              Swordfish - que mostrava, no clímax da narrativa, um helicóptero 
              desgovernado embatendo contra um arranha-céus e imagens de 
              pessoas em pânico nos seus escritórios, fugindo na 
              sequência do embate da aeronave. Aos vê-las é 
              impossível não recordar que o que se passou no WTC 
              terá sido incrivelmente idêntico. Mais espantoso ainda 
              , um grupo de Hip Hop - Coup  lançou, semanas antes do atentado, um disco 
              com imagens na capa de explosões nas torres gémeas 
              inacreditavelmente semelhantes ao que aconteceu na realidade. Mais 
              ainda, no trailer de promoção de Spiderman, um filme 
              que só irá estrear em meados de 2002, um helicóptero 
              seria apanhado numa teia gigante colocada entre as duas torres gémeas 
              de Nova Iorque ( digo "seria" porque o trailer entretanto 
              foi retirado do circuito comercial ). E ainda, em 1994 Tom Clancy, 
              no livro Debt of Honour imaginou um ataque suicida ao Pentágono, 
              executado um suicida soldado japonês a bordo de um avião. Porque é que ainda ficamos surpreendidos? 
              Porque actuamos numa configuração de experiência 
              que nos devolve como bem definidas as fronteiras entre o Real e 
              Ficção, e esse é o nosso maior logro. Nesta 
              altura é essa fronteira que é irreal e impeditiva 
              de uma melhor percepção das correntes que se estabelecem 
              entre o virtual hollywoodesco e o capital simbólico que enquadra 
              o agir moderno. Hollywood expandiu para limites hiper gigantescos 
              as dimensões da tragédia e subiu a parada da sensibilidade 
              ao choque. Numa economia do choque, imagens virtuais e imagens reais 
              não concorrem para experiência alternativas mas para 
              a mesma experiência. A prová-lo está a entrada 
              na rotina dos ataques suicidadas em Israel. Já nem abrem 
              noticiários apesar de continuarem a ser acontecimentos extraordinários 
              e desafiadores do entendimento. A referência dos terroristas 
              não está ( nunca esteve ) no cálculo material 
              do prejuízos mas na percepção dos limites da 
              sensibilidade à dor dentro da economia do choque. Aí 
              revelam uma lucidez e um entendimento da experiência do mundo 
              ocidental que por contraste acentua ainda mais que a candura hiper-real 
              da vida social europeia e sobretudo norte-americana. Os suicidas, 
              pela pior das vias, demonstraram-nos que os filmes não estão 
              fora da vida. No meio da tragédia de 11 de Setembro, espanto-me 
              como foi possível controlar tantas câmaras de televisão 
              e centenas de fotógrafos para evitar transmitir em directo 
              os corpos desmembrados, o sangue, o desespero no rosto dos mortos. 
              Imagens de dor que normalmente se vêem em todas as tragédias.Basta 
              aliás recordar a (no fundo originária das mesmas raízes 
              simbólicas) , destruição de Dili - Timor Leste 
              em 1999 para verificarmos as diferenças. Em Dili tanto quanto 
              foi possível aos câmaras nada foi ocultado, inclusive 
              um esquartejamento em directo. Em Nova Iorque foi tudo higiénico. 
              Tanto controle sobre as imagens faz-me desconfiar. Será que 
              esta porosidade de imagens em sangue não acentuará 
              os efeitos colaterais, contrários aos bem intencionados desejos 
              de preservar a integridade pondo pudor nos olhares. Quais as vantagens 
              das catástrofes higiénicas? Que indicações 
              damos à experiência quando entregamos aos donos do 
              écran o monopólio e a gestão geopolitica do 
              sangue e da morte? Diante dos écrans não estamos a 
              salvo. Quem lá consegue chegar ( como os suicidas do WTC 
              ) atinge-nos com violências ainda maiores - tão gigantescas 
              como as ilusões que as conceberam.
  
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