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  Reportagem sobre a Ars Electronica, Linz

  [ Gonçalo Jorge Coelho e Silva ]

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A companhia que me tinha entretido nas duas horas e pouco que demora a viagem de comboio, de Viena a Linz, havia-se despedido momentos antes. - Patente que fique a saber, a ligação entre comboios e o Ars Electronica, por estranha que pareça, tem a sua efectividade no baptismo de um dos comboios rápidos pendulares da ÖBB (os caminhos de ferro austríacos) -. Consumados os adeus, dirigi-me para o posto de informação ao turismo da estação, entusiasticamente com a minha referência física ao Ars Electronica na mão. Afinal não teria sido necessário apresentar o postal ilustrado referente à temática 'Takeover' do festival deste ano, que havia encontrado num stand de postais gratuitos à entrada do Café Central em Viena. Apesar de não ter encontrado viv'alma que soubesse o que era, ou o que representa o Ars Electronica Center - "a media facility and interface of art, technology, business, science and society" - a relativa pequena cidade de Linz, assinala com clareza o posicionamento do museu no seu mapa turístico, no lado oposto do Danúbio à estação ferroviária. Talvez isso seja devido à exposição internacional que a cidade adquire todos os anos no ínicio de Setembro, altura em que têm lugar conferências, debates e prémios (o Ars Electronica Prix) nas instalações do centro de congressos municipal, que se situa mesmo em frente do edifício do Ars. Ambos estes últimos, voltados ao rio, olham o centro histórico e comercial da cidade na outra margem.

Nem uma chuva intensa com carimbo de início de Agosto, me demoveu a visitar o Ars naquela mesma tarde de Sábado em que cheguei a Linz. As web-cams que havia consultado em casa, no site do "museu do futuro", não haviam deslindado nada e apenas redimensionei para mais pequena a estatura do edifício de cinco andares, metalicamente cinzento e envidraçado no cimo, ao descer na paragem do strasse-bahn ( 'comboio de rua' em tradução literal do alemão). Alemão que não me fez tanta falta noutros locais da Áustria como em Linz. A cidade parece não gozar das hordas de turistas que invadem o país por alturas do Verão, apesar de constituir uma paragem frequente na linha de caminho de ferro que cruza a Áustria, de Viena em direcção ao Tirol, a oeste. O sobreaviso já me havia sido indiciado pela preponderância do site do Ars, em utilizar o alemão como default e, muitas das vezes, não contendo a mesma quantidade de informação traduzida. O site salienta o carácter "experimental" ou "playful fashion" do museu, o que leva a que muitos dos entusiastas visitantes me tenham surpreendido pela jovialidade e que, haja monitores de indumentárias laranjas sempre prontos a dar uma ajuda no que a implementação técnica esconde dos sentidos.

O 'login gateway' ( piso 0)

A entrada no piso denominado "login gateway" faz-se por intermédio de uma bracelete, que ostenta uma espécie de código de barras original. Esta, após o scan no torniquete, permite-nos prosseguir para ver as primeiras (e únicas) duas obras expostas neste piso térreo. Tratam-se de duas aplicações robóticas, com ênfase na interacção comunitária que as faz trabalhar. Na realidade estas duas obras poderão ser manipuladas tanto por visitantes locais, como por membros da ciber-comunidade, para a qual também foram destinadas. Os sites estão dotados de web-cams que imitem o aspecto das duas construções telemáticas em web-cast.

A primeira (e talvez mais interessante) é o TeleGarden ( http://telegarden.aec.at ) que consiste num braço robotizado, preparado para manter viva uma cultura vegetal situada num canteiro circular. A característica que salta à vista é a de que, como que é exigido um compromisso com a obra por parte de quem decide interagir. Desde a plantação, à rega, ao enriquecimento do solo, tudo isto é transladado para o campo mecânico e virtual do espaço, mapeado segundo sectores e que memoriza e capta o estado de cada unidade vegetal. Para a máquina, trata-se de incutir uma responsabilidade de paternidade biológica ao humano, ao mesmo tempo que na sua austera esterilidade de condição de entidade não-viva, procede à maternidade de algo biológico. Funciona também como que possibilitando a libertação do 'fardo' físico de uma consciência ambiental, como que deixando por justificar a desculpa de que 'cuidar do ambiente cansa'. O prospecto afirma que a obra recebe "a atenção de milhares de pessoas por todo o mundo" e a realidade é de que, o solo arável escaceia. O facto é que nos interrogamos sobre o que irá acontecer à nossa criação quando nos afastar-mos e como tal, a obra vinga no pequeno 'implante' que nos deixa.

Já a mesma facilidade de interacção não se verifica na workstation que serve de interface à construção de uma 'arquitectura virtual' da obra TeleZone ( http://telezone.aec.at ). Este projecto visa estabelecer um tipo de "comunidade urbana" ao estilo Legoland em que, mais uma vez se actua via robot, controlado local ou remotamente. O desenho e a construção são deixados ao cuidado de quem se quiser entreter a empilhar pequenos blocos do tamanho de uma peça de Lego. Aqui parece ser do interesse dos realizadores do projecto, incentivar a uma sociedade arquitectónica democrática, que espelhe as diferenças que caracterizam um centro urbano contemporâneo. Talvez isso seja visível da melhor forma vendo a co-habitação de uma construção pré-colombiana americana, ao lado de um edifício de porte semelhante à antiguidade clássica. Segue-se um 'gueto' de blocos experimentalistas de visitantes, que provavelmente se aborreceram com a dificuldade do interface - como alguns presentes por sinal -.

A 'Cibercity' (piso 1)

O elevador é ele próprio um esforço de imersão (e inovação ?) em tecnologia. Com o chão que alberga um écran plano, debita animações no escuro conforme o movimento de ascensão ou não. Um comando permite vaguear pelas animações disponíveis: um foguete espacial que parte do Ars em direcção ao espaço ( se subirmos ) ou um 'corte' que permite ver as áreas de um cérebro em actividade.

Este piso caracteriza-se pela preocupação com a informação que as obras denotam. Esmagadoramente esta informação como objecto interactivo, manifesta-se sob a forma de aglutinação da unidade linguística - a palavra - ou, ainda mais basicamente, no elementarismo do caracter. Tal se deve à exposição Print On Screen que integra instalações que relacionam a "tipography, typefaces and text as a medium of interaction".

Assim as artes visuais e o texto fundem-se para, como o prospecto diz "investigate interaction as an artistic strategy" e sumariza com a seguinte caracterização: "digital wordplay in the truest sense of the word".

Como mote para as obras em exposição neste piso, encontramos a frase de Peter Cho, inscrita num dos separadores, "A primeira vez que brinquei com palavras voadoras foi quando fiz o meu primeiro avião de papel. Desde então nunca mais parei". Com efeito, as “palavras voadoras” que este licenciado em Aesthetics and Computation Group pelo Media Lab, manifestam-se de uma ou outra maneira na visualização computorizada dos símbolos alfanuméricos do texto como ponto de partida para a composição artística em Print On Screen.

Encontramos neste contexto uma das obras mais apelativas do piso Life Spacies II de Christa Sommerer e Laurent Mignonneau. Esta compõe-se de uma tela de dimensões consideráveis onde um ambiente virtual marinho, serve de plataforma ao nascimento, vida, alimentação e morte, de seres traduzidos por intermédio de um algoritmo, cujo input se compõe de agregações de letras. Estas são digitadas num teclado à disposição do visitante em frente do dito écran. Cada agregação diferente dará, em princípio, origem a um ser diferente que interagirá com os demais ainda em vida, até que pereça.

Outro projecto interessantíssimo, desta vez onde todo o corpo do participante pode interagir, é Text Rain, de Camille Utterback e Romy Achituv (USA) e situa-se numa sala improvisada para o efeito. Ao entrar nesta sala, o participante vê uma ‘chuva de letras’ cair numa tela de projecção na parede do fundo da sala. Estas letras não aparentam instigar a qualquer tipo de comunicação percepcionável – é na realidade um poema que espera pela interactividade do visitante para se revelar -. Quando o visitante entra na sala, escura e com o projector nas costas do mesmo, permite que a silhueta deste demarque na tela onde caem as letras a sua sombra. Cabe ao visitante ‘aparar’ as letras com o seu corpo, de modo a que as mesmas fiquem retidas - imediatamente acima da sombra da silhueta - o tempo suficiente para que as palavras se formem. Quando a nossa sombra deixa de estar presente, as letras, como flocos de neve, seguem o seu percurso descendente e desintegram-se ao chegar ao solo. Há assim como que uma ‘impressão não-digital’ mas fisicamente semelhante, única na instalação por parte de cada visitante – cada um ostenta uma aparência e outline característicos -. Há ainda uma liberdade total de envolvimento na obra, que ultrapassa facilmente o âmbito de descodificar a mensagem (do poema) extravasando a experiência num equilíbrio (ou não) de caracteres puramente lúdico. A instalação convida-nos a reencontrarmo-nos com nós próprios – saberíamos antever na nossa sombra e lembrar-nos-iamos dela? - e a aceitamo-nos (ou à nossa silhueta) com um propósito eminentemente prático.

Noutro compartimento, um projecto que visa ludibriar e exigir exploração por parte do público, consiste em usar um teclado tipicamente instrumental, como via de acesso à interactividade no écran onde outro texto é visualizado. A gramática verbal, simbolicamente transmitida, que foneticamente se interpreta no nosso cérebro ao ler o écran, sofre assim durante o circuito de interacção com a obra, uma distorção linguística, ou se quisermos, representativa pelas várias formas mais fortes de comunicação. Assim, é-nos instigado a cerebralmente, readquirir-mos um novo dicionário, por onde cada tecla do orgão electrónico - que se associaria a uma gramática musical, a um tom -, corresponderá a uma modificação tanto cromática, como comportamental em termos de velocidade ou de formal do texto que é exibido. Infelizmente, não possuo os dados de identidade da obra.

Existem ainda no piso, uma serie de workstations em que outros projectos interactivos se fazem valer da linguagem, na sua visualização alfabético animada, parecendo às vezes parentes de screen-savers. É o caso do Active Text Project por Jason E. Lewis e Alex Weyers que receberam uma menção honrosa no Prix Ars Electronica 2000, onde o visitante pode manusear blocos de texto por intermédio de uma applet JAVA programada para o efeito. A prova de que na arte electrónica ou digital, a técnica não suplanta necessariamente a criatividade.

O 'Knowledge-net ' (piso 2)

Descrito no prospecto como “...featuring state-of-the-art-equipment offers users the opportunity to try out a wide variety of different forms of group work, whereby playful learning plays na essential role”. Infelizmente este piso encontrava-se encerrado pelo que não me foi possível constatar a denominada área de auto-conhecimento.

O 'Sky media Loft ' (piso 3)

No panorâmico piso que se situa no topo do edifício, parecemos descer não à terra após todas as experiências por vias maquinais que encontrámos, mas subir à descoberta dos sentidos 'interface free'. Com efeito, tanto a visão como o paladar apreciarão uma vista superior sobre Linz, as montanhas e o Danúbio com uma bebida na mão. Ah!, é claro, isto enquanto esperamos que um dos Mac disponíveis acedam à nossa página de web-mail.

A 'Cave ' (piso -1)

Para último e porque havia uma sessão de realidade virtual (VR) agendada para o final da tarde, prossegui para a cave. Esta alberga como principal atractivo, um mainframe (datado da segunda parte da década de 90), que impressiona não tanto pelo seu tamanho, quanto pelo que nos apercebemos do quanto o nível de exigência para aplicações VR tem baixado. Seja como for, o equipamento ainda proporciona uma imersão panorâmica e colectiva VR em horário regular, o que não é usual encontrar em museus. Pena que a navegação seja efectuada por um monitor do Ars para a assistência ‘passiva’.

Existem duas ‘viagens’ propostas: um passeio por um possível projecto arquitectónico de qualquer urbe, onde nos é dada a conhecer a dimensão, a aparência e o interior do complexo, ainda antes de o mesmo poder estar construído. A alternativa é uma viagem a um mundo misterioso, de uma construção civilizacional incógnita de cariz aparentemente religioso, abandonada e cavernosa. O palco é constituido por 3 paredes onde são projectadas imagens tri-dimensionalmente desfocadas para serem entendidas pelos óculos 3D.

No restante piso, encontram-se ainda acessíveis bases de dados media, especialmente desenhados para o Ars, com excertos de algum do material animado ou, digital produzido cinematograficamente, reconhecido com o Prix em edições anteriores do Ars Electronica Festival. Foi o caso, a título de exemplo, de Fight Club ou Matrix.

Outras obras esgotam-se em mais alguns projectos demasiado aparentados com máquinas de feiras populares, que ilustram uma faceta puramente lúdica e simples de actuar. Sejam exemplos disso um jogo da corda virtual e um écran interactivo ao toque, onde aparecem e desaparecem personagens.

Se bem que o nome Ars Electronica exista já há perto de 20 anos, o Ars Electronica Center existe nas instalações actuais desde 2 de Setembro de 1996. O projecto, inicialmente pensado por um membro da ORF (televisão estatal austríaca) surge como uma simbiose entre o município de Linz e o patrocínio empresarial na área tecnológica. Assim, não é de estranhar que nomes como a Microsoft, Hewlett Packard, Oracle, Sillicon Graphics, Siemens e outras, surjam como grandes apoiantes do projecto. Vultos ligados às instituições políticas da cidade fazem questão de na página oficial do Ars, fazer referência às infra-estruturas excepcionais para "digital media" que a cidade se orgulha de ter e ao seu reflexo, no clima inovativo negocial na área tecnológica. A preocupação de o Center constituir um pólo apelativo nesta área, como que um íman, é alias uma constante naquilo que se sente ser o papel do museu do futuro visto pelas instituições oficiais locais. Torna-se assim fulgurante, a ideia de chamar a Linz, não só turisticamente leigos do movimento artístico, curiosos e tecnólogos como, uma facção desta vez interventiva na 1ª pessoa e se possível estacionária, de criativos, investigadores e artistas.