« There is
an obvious advantage in being able to explain complex things
in
terms of simpler ones, or large systems in terms of smaller.
Therefore
analysis, with its reduction from complexity to simplicity,
is traditionally
a useful way of doing science. However, its drawbacks become
apparent when
analysis adopts the position 'nothing but'. When chemistry
is 'nothing but
the physics of molecules', an organism is 'nothing but its
constituent
chemistry', and mind 'nothing but nerve cells and neurochemicals
in action',
then a narrowness of perspective results. » ( F. David
Peat )
"Existe uma vantagem
óbvia em sermos capazes de explicar coisas complexas
nos termos de outras mais simples, ou sistemas grandes em
termos de mais pequenos. Assim, a análise, que reduz
a complexidade à simplicidade, tem sido tradicionalmente
uma forma útil de fazer ciência. Contudo, as
suas desvantagens tornam-se aparentes quando a análise
adopta a atitude "não passa de". Quando a
química "não passa de física molecular",
um organismo "não passa dos seus constituentes
químicosa", e a mente "não passa da
acção de células e produtos químicos
nervosos", tal tem como consequência um estreitamento
dos horizontes." (F. David Peat)
«La recherche scientifique est réductrice
ou elle n'est rien» (René Girard)
"A investigação
científica ou é redutora ou não é
nada" (René Girard)
[ J A M ]
A ciência moderna nasce de duas rupturas — por redução
— com a Natureza e
com o homem. A situação actual da ciência
vive da multiplicidade das
propostas de explicação. O reducionismo
como método único e explicação
única dos fenómenos parece, pois, abalado.
A hipótese explicativa dada pela
física estatística para o fenómeno
da contaminação é uma hipótese
reducionista boa?
[ LA ]
Na Ciência, como em muitas outras actividades
humanas, existe uma luta entre descrições de
velhos e novos fenómenos por explicar. Esta "confrontação"
de descrições ou modelos ainda recorre ao paradigma
reducionista. A razão para tal é dupla:
primeiro, esta é a abordagem que os cientistas em formação
aprendem, e, em segundo lugar, é uma abordagem extremamente
bem sucedida, especialmente nas chamadas ciências "duras":
a física, a química, e alguns aspectos da biologia.
Tais factos não devem levar-nos a acreditar
que as abordagens reducionistas sejam as únicas aceites
pelos cientistas. Vários progressos seminais
foram "inspirações" de natureza global
ou "integracional". Por exemplo, o conceito
da "conservação de energia" nos processos
físicos, químicos e biológicos (o qual,
diga-se de passagem, foi proposto separadamente, em meados
do século XIX, por físicos, químicos
e médicos) não pode ser provado. Em vez disso,
deverá ser aceite como um axioma. Tal axioma acabou
por ser aceite por ter permitido explicar muitos fenómenos.
Actualmente, o estudo de sistemas complexos
reproduz até certo ponto esses avanços oitocentistas.
A resolução dos desafios dos sistemas complexos
— como a difusão
de ideias e tecnologias nas sociedades humanas, a difusão
de infecções nas populações humanas
e animais (pense-se no HIV ou na febre aftosa), ou o estudo
do genoma humano — necessitará
do contributo de investigadores especializados em várias
áreas e do desenvolvimento de novos conceitos "integracionistas".
O nosso estudo da rede de parcerias sexuais humanas é
uma tentativa de construir uma imagem abstracta, talvez simplista,
mas, contudo, global das interacções humanas.
[ J A M ]
Está a surgir, sob o signo de uma cultura do híbrido,
uma espécie de "erótica generalizada" com a
actual fusão do biológico e do mecânico,
da carne e da imagem, do real e do potencial. Através
da tecnologia contemporânea as ligações
estão a adquirir uma nova consistência, correntemente
descrita como "conectividade", "interactividade", "on-line",
"wired". Como interpreta a sua hipótese de trabalho
esta "erótica generalizada"?
[ LA ]
Tais aspectos encontram-se fora da esfera de investigação
do nosso estudo. Sem dúvida, seria interessante
saber mais sobre aquilo que impulsiona os indivíduos
no nosso estudo e sobre a forma como a crescente conectividade
do mundo moderno afecta o comportamento destes.
[ J A M ]
A Internet constitui um progresso decisivo para a sexualidade
das redes,
comparável àquele que representaram as cruzadas,
a colonização e o turismo popular para a do treponema. Que novos "objectos" poderá
criar esta nova
invasão?
[ LA ]
É muito interessante que mencione essas
antigas mudanças, bem como os objectos que "criaram".
Tal como é sugerido pela sua pergunta, estamos sempre
a reinventar os mesmos objectos, dando-lhes novas aparências.
E, provavelmente, não é apenas a natureza humana
que, perante uma nova oportunidade, adapta um velho objecto
a um novo ambiente. Ainda há pouco, li na Science
and Nature que certos vírus que atacam bactérias
são muito semelhantes a outros vírus que atacam
os humanos, até há pouco considerados muito
diferentes destes. Uma sociedade em rede está a permitir
que os mesmos jogos e estratégias sejam praticados
no mundo digital. Com efeito, será o vírus
da sífilis muito diferente, na sua essência,
do vírus "Anna Kournikova"? (O "portador",
neste caso, é uma fotografia da tenista Anna Kournikova
espalhada por todo o mundo via e-mail.) É
verdade que o vírus é digital e não causa
danos físicos, mas é provável que os
administradores da IT ainda estejam a perder cabelo por causa
dele e da confusão que está a provocar nos mundos
do hardware e do humano.
Outro fenómeno associado aos novos media
é o regresso de velhas questões. Um desafio
particularmente interessante colocado pela Internet e pelo
armazenamento digital de informação relaciona-se
com as questões da propriedade e da privacidade.
Um episódio revelador da forma como estas velhas questões
se voltam a colocar passou-se com o ex-Deão da Faculdade
de Teologia da Universidade de Harvard. O Deão tinha
feito um download de material pornográfico para
um computador, pertença da Universidade, que fora instalado
em sua casa. Durante uma operação rotineira
de manutenção, feita por um técnico da
Universidade, o material pornográfico foi descoberto
e a informação tornada pública.
Teria realmente a Universidade de Harvard o direito de examinar
o disco rígido do Deão? O argumento apresentado
pela Universidade foi que, como o computador é sua
propriedade, não deveria ter sido lá guardada
informação de natureza privada, mas podemos
perguntar-nos se esse argumento teria validade caso estivéssemos
a falar do texto de um diário escrito num bloco-notas
que fosse igualmente posse da Universidade.
[ J A M ]
A mundialização é a expressão
da potência dos genes - um dos seus efeitos fenotípicos - como o ninho é um efeito
fenotípico dos genes do pássaro. Vê aqui alguma ligação com a sua hipótese
explicativa?
[ LA ]
É plausível que o impulso para "alcançar
outra costa" ou "meter uma lança em África"
desempenhe um papel importante no crescimento da rede de parcerias
sexuais (alguns indivíduos na amostra que considerámos
tinham perto de mil parceiros diferentes). Este fenómeno
poderá não ser muito diferente de um Bill Gates
que acrescenta mais um bilião de dólares à
sua fortuna ou da divisão do mundo entre os reis de
Portugal e Espanha.
[ J A M ]
A sociedade liberal é o biótopo que melhor
convém à proliferação dos genes.
Só podem estender as suas redes na medida em que as
nossas se deslocam. Dizendo que "A não ser que haja
poligamia ou o comportamento das mulheres seja seriamente
restringido, como no Afeganistão, a maior parte das
sociedades será assim" (Público, 21 Junho
2001) não estará a fazer da sua hipótese,
para além da sua pertinência em termos de controle,
de previsão de efeitos, mais uma hipótese determinista
do que pragmática?
[ LA ]
Talvez, mas o que estou a fazer é, essencialmente,
construir uma hipótese de trabalho. O objectivo é,
evidentemente, poder testar a minha hipótese com dados
oriundos de outros países e sociedades. Na verdade,
a possibilidade mais interessante seria a minha hipótese
de trabalho revelar-se errada. Creio que a descoberta de um
exemplo em que a minha hipótese se mostrasse errada
seria muito esclarecedor e faria progredir grandemente o nosso
conhecimento dos mecanismos que regulam o crescimento da rede
de parcerias sexuais.
[ J A M ]
Matematicamente, o "grafo" das relações sociais
não tem uma estrutura em
árvore: as arestas entrecruzam-se e sobrepõem-se.
Quaisquer resultados das
matemáticas sobre este problema têm de ser resultados
sobre classes de
grafos. Em termos estatísticos a dinâmica das
redes de contactos sexuais
humanos pode ser traduzida através de uma lei matemática.
Pode sê-lo também
em termos de casos individuais?
[ LA ]
Há uma importante distinção
a fazer, no que se refere ao uso da matemática na nossa
descrição da rede de contactos sexuais: os resultados
a que chegamos são empíricos. Receio que a maioria
das pessoas associe uma descrição matemática
a uma teoria do fenómeno em causa. No nosso estudo,
não construímos qualquer teoria da estrutura
do grafo. Limitamo-nos a medir uma quantidade que ajuda
a caracterizar a sua estrutura. Simplesmente, acontece
que essa quantidade pode ser expressa sob uma forma matemática.
A altura dos humanos pode ser medida de forma semelhante e,
assim, a distribuição das alturas entre os habitantes
de Portugal pode ser igualmente expressa em termos matemáticos.
Da mesma forma que não podemos prever a altura em adulta
de uma criança portuguesa em particular, também
não podemos prever o número de parceiros sexuais
que essa criança virá a ter. Apenas podemos
prever a distribuição de alturas ou do número
de parceiros sexuais de todas as crianças agora nascidas.
Isto, para mim, é tranquilizador: é nas variações
individuais que podemos encontrar a possibilidade de exercer
o nosso livre arbítrio.
[ J A M ]
A lógica que preside às redes - de contactos
sociais, de ecossistemas, de electricidade ou até a forma como os vírus
informáticos se espalham através do correio electrónico - pode reduzir-se a uma
lei objectiva (um modelo narrativo canónico)?
[ LA ]
É difícil prever se uma descrição
será suficiente para capturar a riqueza de todos esses
fenómenos. Creio que serão necessárias
descrições diferentes para cada um dos casos.
O meu estudo dos ecossistemas sugere que a estrutura de rede
destes é diferente da que encontrámos nas parcerias
sexuais. Contudo, por vezes ficamos surpreendidos ao
descobrir que descrições semelhantes valem para
sistemas bastante diferentes. O facto de o estudo de sistemas
complexos ainda estar na sua infância constitui um problema.
Creio que, à medida que formos aprendendo, ficaremos
mais capazes de prever que sistemas serão descritos
pelas mesmas leis e quais não.
[ J A M ]
A rede de contactos sexuais humanos é uma rede de
mundo pequeno de escala aberta composta por diferentes números
de ligação. Que alcance social pode ter o estudo
empírico a partir do qual se conclui a lei que regula
o fenómeno dos "pequenos mundos"?
[ LA ]
Bem, a nossa descoberta permite-nos realmente compreender
a difusão de doenças como a SIDA. Compreender
a difusão da SIDA não é fácil
e isso, até certo ponto, explica o raciocínio
de certas pessoas que pensavam estar "seguras".
Sabemos que a SIDA começou em certos grupos de alto
risco, e também sabemos que não é particularmente
contagiosa, por isso fazia "sentido" pensar que,
enquanto não tivéssemos contacto com os grupos
de risco, estaríamos seguros. Suponho que todos
vemos agora até que ponto estávamos errados.
Creio que os números em Portugal falam por si, como
começam a fazer em vários países asiáticos
que se consideravam livres da epidemia de SIDA. Os nossos
resultados permitem-nos compreender que os grupos de risco
constituem o elemento que mantém a epidemia viva e
que serve como reservatório para a sua lenta difusão
pela população em geral. Ninguém
está realmente seguro na população em
geral, porque essa rede é um mundo muito pequeno.
Podemos pensar que estamos seguros e distantes do núcleo
da doença, mas na realidade estamos apenas a alguns
graus de distância. Este carácter altamente heterogéneo
da propagação da doença e da rede sexual
é, na realidade, igualmente muito esclarecedor para
o planeamento de campanhas educacionais que funcionem e, mesmo,
de campanhas de imunização, caso uma vacina
seja desenvolvida.
[ J A M ]
Pode falar-se de uma epidemiologia das representações?
A cultura "pega-se",
como a sarna ou o sarampo?
[ LA ]
Estou fortemente convencido de que sim. É
plausível que uma densa rede de interacções
humanas e uma massa crítica de indivíduos poderão
intensificar a chegada e a sobrevivência de ideias novas.
A minha experiência em investigação científica
diz-me que as novas ideias seminais estão quase sempre
parcialmente erradas. É a existência de
uma comunidade de indivíduos interessados que permite
que uma ideia seminal embrionária se desenvolva, tornando-se
num conceito forte, o qual poderá então ser
difundido e sustentado.
[ J A M ]
Aquilo que faz o homem desde
sempre e para sempre é uma palavra num corpo sexuado e numa genealogia. Subverter a cadeia
das gerações (os meios actuais ou previsíveis são muitos)
é uma maneira de fazer prevalecer a omnipotência do homem, que irá ao
ponto de fabricar humanos que não serão mais do que objectos desejados pela vontade de
dominar o universo. Se as coisas vão deixar de ser assim, a questão
do homem e a questão de Deus vão deixar de ter interesse. Cenário
de fim do mundo?
[ LA ]
Nesses seus termos, sim, é um cenário
de fim do mundo. Mas isso, na minha opinião,
é acreditar que o trio homem/ciência/tecnologia
é, de algum modo, omnipotente. A minha impressão
é que, pelo contrário, estamos a descobrir os
limites das nossas capacidades. Não, não fizemos
a paz na Terra. Não, ainda não conseguimos
curar o cancro, nem sequer a gripe. Não, não
viajaremos para outras galáxias a velocidades superiores
à da luz. Não, não colonizaremos
outros sistemas solares. Não, não podemos
prever o tempo nem conseguiremos controlá-lo (apesar
de podermos vir a descontrolá-lo). Talvez seja o nosso
ego que nos faça crer que somos capazes de fazer todas
estas coisas. Mas a vida só se manterá
interessante se não deixar de ser desafiadora e imprevisível.
Excepto em termos estatísticos, claro.
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