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Muito recentemente, em busca
de informação sobre um autor de ficção científica que me é muito caro, decidi não
iniciar o percurso por um dos muitos motores de busca disponíveis, mas antes por um
endereço que tinha armazenado na pasta de bookmarks. Primeira (não) surpresa: o
endereço apontado tinha esvaziado os conteúdos respectivos, redireccionando-me em
compensação para um outro site onde a informação tinha sido reestruturada quase
por completo e onde o autor em causa se diluía num hall of fame do género. Ainda
assim, parte do que pretendia links para outros sites sobre o mesmo
autor estava lá. Segunda (não) surpresa: mais de metade desses sites tinha
pura e simplesmente desaparecido sem vestígio. Surpresas que dão lugar à
previsibilidade quando se é um navegador habitual aliás, se há uma deficiência
que praticamente contradiz as definições mais comuns da Internet como depósito
inesgotável de informação é a permanente confrontação com o famoso erro «404: page
not found».
Uma outra, talvez menos sentida por quem «apanhou o comboio em andamento», isto é,
entrou no mundo online quando tal deixava de ser uma opção e se tornava uma
inevitabilidade, é o não cumprimento de uma promessa que vem já dos tempos de Vannevar
Bush e de Ted Nelson: a da rede como memória, não só de informação simples
(contradição nos termos, pois a informação nunca é simples, podendo quando muito ser
«em bruto»), mas acima de tudo dos percursos individuais ou colectivos através dessa
informação e dos padrões que ela mesma, quando tratada por uma informação de segundo
grau, inadvertidamente produz. Métodos como o page-rank,
implementado na prática por motores de busca como o Google são ainda a melhor aproximação desse
ideal no mundo online, apesar de o end-user apenas ter acesso ao estado
final e não ao percurso que o gerou, afinal o atributo que deveria marcar a diferença.
Uma ilustração mais orientada para as idiossincrasias do utilizador consiste na
tecnologia offline testada nos MacIntosh das últimas gerações que foi apelidada
como «View».
Pense-se em todos os documentos que estão armazenados no disco rígido dum computador
pessoal criados, redigidos, modificados, recebidos, lidos ou não, de múltiplos
autores, em múltiplas circunstâncias. O tradicional método de arrumá-los em pastas e
subpastas, herdado de tempos anteriores ao triunfo do computador, falha inevitavelmente,
mesmo para mentes tão organizadas quanto o código decimal de Dewey, em especial quando do documento
que se procura apenas se tem uma vaga ideia do nome e do local onde poderá ter sido
armazenado. Tentando contrariar este apego arcaico a métodos de organização que
funcionavam quando a quantidade de informação ainda permitia assumi-la como uma
extensão humana, o «View» dos MacIntosh indexa automática e dinamicamente os
documentos ao atribuir-lhes palavras-chave, que resultam de um complexo processo de parsing.
Faça-se uma busca a um termo como «novela» e numa pasta «mágica» surgirá o conjunto
de documentos (independentemente da sua localização) que de algum modo tem uma
associação ao termo procurado. Note-se que a palavra não tem necessariamente de ocorrer
no documento termos aparentados mas suficientemente distintos como «literatura» e
«televisão» seriam bons candidatos para gerar uma resposta positiva e que um
documento pode receber ou perder uma indexação enquanto está a ser editado.
Se de certa maneira o sistema tem algo de revolucionário, admitindo que virá um dia a
ser isento de falhas, a forma de visualização tem ainda muito de tradicional um
ponto forte a favor da adaptabilidade, mas uma desvantagem na medida em que pode levar a
que seja uma obsoleta peça de museu antes mesmo de o seu uso se generalizar. A conclusão
a retirar é que necessitamos urgentemente de novas interfaces, ainda que menos
intuitivas, pouco ou nada user-friendly, se não mesmo geradoras de ostranenie.
Acima de tudo repositório de projectos de web-art, o site rhizome.org
tem como atractivo principal uma secção dedicada às interfaces alternativas (alt.interface,
adequadamente). Se assumirmos, algo heideggerianamente, que a arte é antes de mais
exploração de possibilidades que ficaram por cumprir, o facto de tal secção ser por
enquanto menos concorrida não faz dela nem um pouco menos
artística.
Por enquanto apenas três peças podem ser encontradas, todas elas procurando repensar uma
ideia de memória prometida com o advento da World Wide Web mas bem depressa esquecida em
favor da funcionalidade então possível . «Every Image» funciona
como repositório de imagens no caso, provenientes de projectos de web-art
que, depois de tratadas por um algoritmo, se sucedem aleatoriamente num screen
saver, acompanhadas de texto. Ainda mais interessantes são «Spiral» e «Starry Night»:
a primeira apresenta o arquivo de textos do site como uma espiral de 5 braços que
pode ser desenrolada até ao momento em que o site foi criado. Para cada braço,
uma categoria distinta («teoria», «eventos», «recensões», «comentário» e «threads»).
Cada artigo constante do arquivo é colocado ao longo da espiral, tendo ainda
característica que partilha com «Starry Night» um grau diferente de brilho (isto
é, estando mais ou menos carregada) que é proporcional ao número de vezes que a página
correspondente foi visitada. A última proposta apresentada no site permite,
graças a um método de indexação ainda não automático, como o acima referido
«View» , fazer também de cada artigo ou colaboração em arquivo uma estrela num
firmamento virtual. E, tal como no caso anterior, a «história» de cada estrela começa
por ser apenas um ponto, tornando-se mais visível à medida que o número de leitores
aumenta. Este efeito é só por si digno de nota na medida em que, de cada vez que se
acede ao arquivo, o firmamento surge com uma nova configuração, destacando as
contribuições mais consultadas sem contudo deixar que outras caiam no esquecimento.
Ainda mais útil é o facto de a cada texto ter sido indexado um conjunto de palavras-chave, que se tornam
visíveis ao passar o rato pela respectiva estrela e que podem ser seleccionadas criando
uma constelação onde todos os pontos que partilham de determinado atributo surgem
conectados entre si.
O facto de estarem exclusivamente associadas ao respectivo site confirma-as como
alternativas, mais uma experiência do que um projecto a ser acarinhado por um qualquer Bill Gates em potência. A nível do software comercial
e dirigido para o utilizador, o parente mais próximo é o organizador de tarefas «The brain»,
curiosamente também exportado para o mundo da web. Talvez porque, como o prova «Time as
color», presente no arquivo de web-art, a arte tende para o ilegível enquanto
o design de interfaces procura a imediaticidade e a universalidade dos usos: quem
compreende um tom de rosa como
significando 22h 5m e 35s, porque é essa a sua transcrição RGB, quando estamos
habituados a ter uma interpretação imediata ao olhar para o mostrador de um relógio? Ou
como explicar ainda o facto de cada nova abertura do site ser uma falsa página de
entrada, escolhida aleatoriamente, e onde o link para a verdadeira abertura tem de
ser procurado pelo utilizador? Ainda assim, os projectos de alt.interface e, por que não
dizer, a ideia que justifica um site como o rhizome.org, mostram que a
facilidade de uso, por exemplo na constituição e acesso a um arquivo, é tão-só uma
questão de adaptabilidade a convenções, que não têm de permanecer presas a um quase
esgotado modelo de pastas e secretárias.
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