| Provavelmente desde a Alternativa Zero que o
            país não assistia a tão fortes consolidações e tomadas de posição no universo da
            arte. Para além do acentuado crescimento do número de galerias, dos prémios
            artísticos, de colecções privadas ou mesmo de algumas Fundações associadas ao nome de
            empresas públicas, e da crescente internacionalização das programações, vem-se
            assistindo na esfera política à progressiva demarcação de preocupações com a
            representatividade artística de Portugal quer através da mostragem e difusão da
            produção nacional no estrangeiro quer pela constituição de colecções públicas de
            arte moderna e contemporânea. Fundação Centro Cultural de Belém, Museu Nacional de
            Arte Contemporânea de Serralves, Museu do Chiado e Instituto de Arte Contemporânea
            marcam com as suas colecções essa nítida tomada de posição pública na segunda metade
            da década de 90, transpondo-se a inesquecível lacuna com que o final do século
            português ameaçava ser associado- o estigmatismo para com a modernidade e actualidade
            estéticas. É pois a Colecção IAC/CCB que mais recentemente nos saúda com a
            rectificação desse olhar. Initiare é nas palavras de Margarida Veiga, Directora
            do Centro de Exposições do CCB, «assumir o papel das vanguardas», o que quererá tanto
            dizer assumir o presente e, na sua consagração, o transitório, o fugitivo, o
            conjuntural, como também implicará assumir a controvérsia e por isso as margens- ou o
            que delas resta- como o que faltava ser oficialmente coleccionado. Initiare. Mais do que uma colecção formada em blocos
            cronológicos, historiográficos ou de estilo, é uma colecção que tanto valoriza os
            jovens autores nacionais com um percurso em afirmação, como permite a representação em
            Portugal de autores estrangeiros que por cá já expuseram, tal como ainda vem constituir
            núcleos autorais representativos de autores contemporâneos «já consagrados», como
            são os casos de João Penalva, Jimmy Durham e Ângela Ferreira. Nesta perspectiva, a
            posição que assume a colecção não será tanto pedagógica- como assumidamente o é a
            Colecção Berardo e como até o poderão ser a colecção Circa 68 ou a do Museu de
            Design- mas é bem mais a posição intervencionista do incentivo tanto à
            internacionalização das programações como também ao desenvolvimento das tendências
            em afirmação e dos artistas emergentes a nível nacional. As aquisições das obras efectuadas nos últimos três anos são
            exemplares dessa posição assumida pelo IAC/CCB de tornar nítido o papel orientador do
            Estado junto dos privados e também de exercer algum estímulo ao comércio da arte aqui
            representada, uma vez que foram especialmente efectuadas quer a galerias - principalmente
            do Porto e Lisboa, mas também de Londres, Estocolmo e de Villeurbanne- quer aos próprios
            artistas. Se se diz com rigor que um coleccionador particular é um espião- porque
            por vezes procura aquela obra com manobras camufladas e até algo clandestinas-, ou
            um egoísta- porque por vezes guarda e protege a sua colecção dos olhares e da
            cobiça alheia-, já o coleccionador público é por dever- e orgulhosamente assim aqui se
            apresenta- um incentivador, um verdadeiro cultivador que aproveita a pequena seara
            para a pluricultura, sem mesmo, e com igual paixão, deixar de ceder lugar às novas
            sementes alternativas ou aos novos regadios. Com incomparável relevância verifica-se que o género artístico
            preponderante na colecção é a instalação. Incomparável, em primeiro lugar, porque é
            o género mais difícil de ser coleccionado, sendo por isso o género que sistematicamente
            menos apoios tem recebido. Questões relativas à sua permanência num espaço e à sua
            arrumação têm afastado a instalação, a contragosto de muitos coleccionadores, dos
            seus espólios privados e particulares. É ainda um género que exige uma experiência
            pessoal de cada espectador, arriscando-se, caso contrário, à impossibilidade de uma
            análise ou descrição. Este testemunho pessoal, muitas vezes também dificultado pelas
            constantes desmontagens de que é alvo, tem frequentemente dificultado o seu estudo e
            respectiva historicização por parte da História da arte. A crítica dos anos 60
            (nomeadamente Michael Fried no seu ensaio «Art and Objecthood» de 1967) insurgiu-se
            algumas vezes contra esta tendência- dita «teatral»- que viria a marcar a instalação,
            e que partia sobretudo das exigências pós-minimalistas, entretanto emergentes, de fazer
            depender a obra de um tempo-duração, de uma situação espacial particular, e sobretudo
            do espectador. No entanto, e não sendo já decididamente um género novo, o desafio
            simbólico da sua inclusão na colecção Initiare prende-se com o facto da
            instalação- porque convoca e se interliga com o espectador- se confrontar em muitos
            casos com a resistência do espectador tradicional. Quer a associação de vários
            géneros artísticos, a parceria com os novos registos multimedia, quer, e principalmente,
            a desobjectualização com que muitas vezes surge associada, mantêm a instalação
            como um género novo, e por isso ainda desassossegante, aos olhos do espectador
            tradicional cuja predisposição à experimentação, apesar de aspirante, é ainda um work
            in progress. Mas é este desassossego que se está a jogar ao se apresentar uma
            colecção contemporânea que marca o intervalo entre 1992 e 1999 e que bem servirá à Iniciação
            do público português aos sinais contemporâneos da estética, ao «incentivo do gosto
            público», como ressalva Margarida Veiga no Catálogo da Colecção. E porque assistimos em Portugal à emergência de um paradigma- o do
            coleccionismo público de instalações- que já vem sendo desenvolvido no estrangeiro
            pelo menos desde o princípio da década de 90, não será difícil associarmos com
            satisfação esta colecção àquela que seria a contra-imagem de um nobre Salon des
            Refusés. Os espaços alternativos que até aqui frequentava, o carácter
            contestatário e anti-institucional que manteve nos anos 60, concederam à instalação
            desde o período moderno uma aura anti-estética. Se esta aura a manteve durante algum
            tempo desfasada do institucional, muito depressa lhe veio garantir, nesses mesmos anos 60,
            a assimilação e os convites para a criação site specific dentro dos museus. Tal
            como reconhece Julie Reiss, «Installation art can be used as a barometer for the
            historical relationship between avantgarde art and the museum» (1), mantendo-se no
            entanto, e para além do momento da sua integração, o «estado de graça» de um dia ter
            sido refusée. E como último tópico da sua crescente integração, considere-se a
            Bienal de Veneza de 1976, Ambiente Arte, a este género dedicada, assim como a
            também crescente valorização da extensão/expansão dos meios artísticos que hoje
            encontram nas figuras do multimedia e do digital especiais hibridizações. Esta
            integração surge assim histórica e conjunturalmente inelutável. Para além da escultura e da pintura que constituem a colecção, são
            pois as instalações que mais sobressaem no percurso da visita. Por um lado pelos
            registos a que se associa, quer recorrendo a um único suporte - como são os casos do
            vídeo ou da projecção de diapositivos-, quer associando estes à escultura, ao som ou
            à fotografia sobre madeira ou sobre pvc. A ambivalência, associabilidade e dinâmica
            destes meios chamará a atenção do visitante mais conformista. Por outro lado também
            porque o eixo temático que tanto guia como distingue as obras da Initiare se
            inspira muito na própria natureza do género instalação devido a essa insatisfação
            formal (cfr. Off Screen, Douglas Gordon), à deambulação identitária (cfr. Lisboa
            96, Augusto Alves da Silva) ou aos registos híbridos (Quem disser/Ricardo Reis/As
            Frases/Vamos Morrer, Jimmy Durham) ou ainda à queda iminente e à multiplicação dos
            espaços de apresentação das obras (cfr. Wallenda, João Penalva). E porque é de instalações que falamos, sugerimos um olhar mais
            focalizado a duas instalações: Estrada em obras (1997) de Augusto Alves da Silva
            e Dirty Mind (1995) de Luísa Cunha que são tão simplesmente a escolha mais
            subjectiva que consegui fazer para motes (ou mesmo links) sugestivos de uma
            eventual revisitação.  (1) REISS, Julie R., From Margin to Center. The Spaces of Installation
            Art, Cambridge, Massachusetts, The MIT Press, 1999, p.xv da introdução. (1) Isabel Carlos in Catálogo da Exposição Initiare, p.16
 
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