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«The commission contends that
the proliferation of filthy books and plays has no lasting
harmful effect on a man’s character. If that were true, it
must also be true that great books, great paintings and great
plays have no ennobling effect on a man’s conduct. Centuries
of civilization and ten minutes of common sense tell us
otherwise.»
Richard Nixon, a
propósito do relatório da Commission on Pornography and
Obscenity, 1970
«Whatever common sense may say,
history provides no proof that “great” representations have
had any such effect on anyone’s actual behaviour. [...] Nixon
was correct to suggest that, if we accepted the innocuousness of
pornography, we would have to ascribe equal impotence to our
most treasured cultural inheritances -- including religious
texts and pictures. [...] We would find ourselves bereft of our
myths of instruction [...]. It is supremely ironic that
“worthless trash” like pornography should drive even a
President to the brink of that abyss. Only to the brink, however:
the unthinkable step was never taken.»
Walter Kendrick, in
The Secret Museum: Pornography in Modern Culture
«Porn is often a key driver
during the fledging emergent periods of new media technologies.
All the porn out there in cyberspace, the soft core and the hard
core, pictures of porn sirens, film stars, supermodels, your
next-door neighbour, all this online raunch, helped to make the
Internet grow; and made it sexy.»
Laurence O’Toole,
in Pornocopia: Porn, Sex, Technology and Desire
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Dizia Rousseau que o incoveniente da
literatura obscena era o facto de esta ter de ser lida com apenas uma
mão. Nos dias de hoje, a condição mantêm-se, mas o livro foi
substituído pelo ecrã e a mão a que Rousseau se referia está sobre
o rato, por vezes sobre o teclado do computador. Todavia, tudo o resto
mudou. A começar pela clandestinidade do negócio, porque, mais do
que nunca, é de negócio que se trata, mesmo que um free trial
equivalha a «módicos» 3
ou 4 dólares debitados no cartão de crédito.
A palavra «pornografia» nem sequer
tinha o mesmo sentido, significando, de forma mais próxima da
etimologia, «tratado sobre a prostituição», predominantemente num
sentido médico-sanitário. Desde que os frescos de Pompeia receberam
essa designação, quando foram redescobertos por volta de meados do século
XVIII, o termo começou lentamente a adquirir o sentido imagético que
é ainda hoje o dominante. Uma
outra «grafia», a de Daguèrre, impeliu o termo nesse sentido. Não
será, aliás, essa uma das razões nem sempre enunciadas para o facto
de a fotografia ter lutado tanto tempo pelo estatuto artístico? Não
associariam muitos a fotografia aos postais obscenos que circulavam
clandestinamente?
Já o cinema não terá necessitado de
empreender uma luta tão titânica em favor desse estatuto, mas tal não
impediu a proliferação das stag reels nem o mito
de que a
exibição e as condições em que esta tinha lugar era muitas
vezes um prelúdio para festas tanto ou mais decadentes do que o conteúdo
exibido.
Nos três quartos de século que desde
então passaram, assistiu-se a mudanças quase impensáveis, por mais
que o espectro dos efeitos da exposição à obscenidade por parte de
determinadas camadas
da população continue a assombrar-nos. Não há propriamente uma
uniformidade
na mudança, mas, de forma geral, assistiu-se à liberalização
controlada do material pornográfico, que se estende por vezes à exibilidade
dos conteúdos.
Nenhuma forma legal de liberalização
conseguiu contudo ir tão longe quanto o tem feito, desde o alvor da
fotografia acima referido, a tecnologia. Antes de mais porque a lei se
tem sistematicamente enredado nas suas próprias teias: onde termina o
«erótico»
e começa o «pornográfico»?
Há contextos -- científicos, educativos, artísticos -- em que algo
claramente «porno» se descontextualiza da sua função primordial de
excitação do espectador? Não será essa também a função do erotismo?
E mesmo que se chegue a um consenso, quem não pode ou não deve ser
exposto e que motivos tornam tal proibição justificável? Mas a
tecnologia triunfou acima de tudo porque as fronteiras foram
quebradas, e com elas o poder legislativo estatal. Primeiro com os
canais X-rated de televisão por satélite ou por cabo, mais
recentemente e de forma cabal com a Internet, a pornografia saiu do underground
social para se tornar, quando muito, um underground pessoal, à
distância de uma busca no Google ou no AltaVista.
Onde definha o poder estatal medra
contudo um outro poder, o do dinheiro, como uma espada de dois gumes,
mostrando cada vez mais e ocultando
também cada vez mais. Estrategicamente,
a pornografia na rede funciona de modo esquizofrénico. Na sua
modalidade liberalizante, faculta-se o acesso livre aos sites
de post, com actualizações diárias que remetem para centenas
de amostras de imagens ou vídeos. Muitas dessas amostras não são
mais do que pequenas armadilhas de onde explodem dezenas de novas
janelas em regime de pop-up.
Mas quando enfim se presume ter chegado a um destino,
este é sistematicamente bloqueado pela necessidade de recorrer ao
cartão de crédito.
Por vias mais tortuosas do que há
pouco mais de dez anos atrás, o perfil do consumidor da pornografia online
corre o risco de, mau grado todo o acesso generalizado que mencionámos,
não se alterar, com a diferença de as estatísticas ocultarem um
novo tipo de restrição. O adolescente que aproveitava a ausência
dos pais para alugar um filme no videoclube pouco mais poderá fazer
na Net do que aceder a algumas free
pics ou vídeos, e o verdadeiro consumidor será o solitário
descomprometido com tempo e dinheiro, afinal o lugar-comum do
consumidor de pornografia que alguma liberalização terá feito
inicialmente recuar, talvez com a diferença de poder optar pelo
fetiche da sua eleição. Como numa profecia que se autocumpre, a
caricatura ameaça tornar-se o real.
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