"Speaking
of my work, I often paraphrase the words of Roland Barthes: «I
try to make art which celebrates doubt and uncertainty. Which provokes
answers but doesn't give them. Which withholds absolute meaning
by incorporating parasite meanings. Which suspends meaning while
perpetually dispatching you toward interpretation, urging you beyond
dogmatism, beyond doctrine, beyond ideology, beyond authority»."
[1]
Sherrie Levine
O trabalho de Sherrie Levine funciona sobre módulos
de espelhamento e desmultiplicação tomados como unidades
de medida da influência de uma obra de arte. Para simplificar
esta ideia, podemos considerar os módulos como componentes
da dimensão áurica da obra de arte tal como Benjamin
a diagnosticou, embora Levine vá claramente além do
trabalho sobre a aura, procurando expor e libertar-se do jogo de
influências dos originais, o que é concretizado, de
forma paradoxal, através de cópias ou versões
dos mesmos. O que parece estar em questão é o maior
ou menor poder do original sobre a sua possível (e inevitável)
cópia e a medição de forças entre esse
poder e o desejo que alimenta o impulso mimético. Levine
circula claramente em volta da conhecida questão da reprodutibilidade,
assumindo a cópia como um acto próprio de criação
e colocando de novo em xeque essa consciência "desesperadamente"
moderna que não deixa de nos assaltar.
Estas são também as regras do jogo
da ciência e parece-nos ser também o jogo da clonagem:
assistir aos encantamentos de uma matéria que se desdobra
em constantes aplicações de si mesma. O sistema de
replicação de Sherrie Levine permite-nos pensar o
tema da clonagem a partir da ideia de que tendo o original um grau
de impacto delimitador das fronteiras do seu alcance, uma desmultiplicação
orientada do raio de efeitos desse original gera em si novas fronteiras
mas também novos originais (novos reprodutíveis) que
apesar de se formarem dentro do ciclo do primeiro se tornam em certa
medida independentes deste.
Desde o início dos anos oitenta que o jogo
de Sherrie Levine se faz entre a escolha das peças originais
e a sua replicação, ou através de desenhos
de obras (realizados muitas vezes a partir de reproduções
em livros, sendo que por vezes as medidas das cópias realizadas
pela artista são iguais às medidas dessas reproduções
e não às do original) ou de fotografias de fotografias,
como é, por exemplo, o trabalho realizado a partir da obra
do fotógrafo Walker Evans. Objectivo do jogo: tomar, reequacionar,
voltar a dar. O que Levine realiza é a aplicação
de um ready-made cosmogónico, o que é absolutamente
assumido com a obra "Fountain (after Marcel Duchamp: A. P.)",
de 1991, através da retoma da imagem da própria retoma.
Nesta obra o ready-made, ideia e objecto, serve na justa medida
o esquema de Levine: nada é inalienável, tudo tem
dupla-face, ao mesmo tempo que é sacralizado, o original
pode ser replicado e posto em causa. O urinol de Levine doura e
brilha, hiperbolizando essa ousadia.
Ao introduzir nas suas cópias variações
ao original, Levine consegue afinar o seu jogo: o jogo das influências
transforma-se num jogo de influxos. Os influxos são então
formas da urgência em renascer que os originais "carregam"
desde o nascimento. Esta temática do nascimento está
evidenciada na instalação [2]
"Newborn" de 1993 no Philadelphia Museum of Art, realizada
com base no trabalho de Constantin Brancusi, em especial com base
na obra com o mesmo nome, de 1915, uma peça
em mármore que se assemelha à cabeça de
um recém-nascido. A propósito deste trabalho Levine
dirá: "Like Brancusi, I am interested in the physical
and the sensory. However, I am also interested in the contingent
and the unstable. I like the aura of happenstance. I like repetition,
because it implies an endless succession of substitutes and missed
encounters". Cada nascimento trará em si um novo choque
ao recém-(re)nascido, ou seja, cada repetição
é a abertura de possibilidades que por si só o original
não poderia comportar e também um acontecimento único,
cada repetição é em si "contingente"
e "instável", embora seja uma apropriação
do original.
Com o termo after depois dos títulos das suas
obras e antes do nome dos artistas que escolhe para entrarem no
jogo (uma escolha feita de forma apurada ainda que diversificada),
Levine nomeia o grau necessário de semelhança das
suas obras/cópias ao mesmo tempo que preserva a liberdade
do seu gesto. Esta manifesta auto-referencialidade do seu trabalho
é sobretudo um questionamento constante do território
da obra de arte. Para Ann Temkin, Levine lança a questão
da existência ("are-ness") e da não-existência
("are-not-ness") do original, o que para a autora é
ainda mais questionável com os trabalhos que a artista faz
a partir de fotografias, pois estamos a falar de um "territory
to which the copy is no stranger"[3]
. É a assunção da forte proliferação
de reproduções e da quase inatingibilidade dos originais
(quantos de nós terão algum dia a visão in
loco dos originais que conhecemos através de reproduções?)
que permite a Levine trabalhar numa base de apropriação
e de manipulação da imagem, o que consegue preservar
alguma da relação que teríamos face ao original
mas também a diferença que é perpetuada através
da cópia desse original.
Aquilo que merece um olhar atento no trabalho de
Sherrie Levine é a forma como é tomada a imagem, ou
seja, a forma como é processada a relação com
o original e a replicação desse original. Detenhamo-nos
nas palavras da artista: "When I started doing this work, I
wanted to make a picture which contradicted itself. I wanted to
put a picture on top of a picture so that there are times when both
pictures disappear and other times when they're both manifest; that
vibration is basically what the work's about for me.- that space
in the middle where there's no picture".[4]
Este desejo manifesto de Levine em tomar a imagem nos interstícios
da sua não-existência evidenciando uma função
a-estética da própria imagem é o motor que
ao mesmo tempo que impulsiona a replicação, a produção
de cópias, permite observá-la como uma corrente alternada.
Ao analisarmos a obra L'Absinthe, de 1995, baseada
no quadro de Degas com o mesmo nome de 1915 podemos sentir o desenrolar
daquela corrente. Basta o catálogo da exposição
[5] , a reprodução das cópias
de Levine, para sentirmos uma certa astenia perante a cópia.
De cada vez que voltamos a página e aparece sucessivamente
a imagem daquela mulher
somos tomados pelo absinto.
Cada visão da mulher sentada à mesa do bar é
uma nova visão
sendo, no entanto, a mesma. Se pensarmos numa função
que possa sintetizar esta ideia apercebemo-nos de que da cópia
1 à cópia 12 à partida não existe variação.
Ou seja, a diferença das cópias em relação
ao original é constante. Contudo, facilmente admitimos que
cada
cópia, cada
uma das mulheres de Degas é uma
só, única
e diferente.
Ver a terceira ou a sexta cópia nunca será o mesmo
que ver a sétima ou a nona. A corrente de que falávamos
há pouco está então estruturada sobre uma falsa
derivada - à qual chamaremos clonada - uma linha invisível
na qual se esconde a variação, mas que é contudo
uma variação de função constante. Se
quando a variação é zero a derivada/clonada
é nula, o que é que nos permite sentir ainda a variação
na replicação deste original? Entre duas imagens iguais,
em que tal como Levine afirma, a variação da matéria
(aqui imagem) é nula ou parece
não existir matéria, será o factor tempo aquilo
que nos permite a percepção da variação
e ao mesmo tempo o impulso que nos conduz à próxima
cópia. É neste sentido que podemos pensar as clonadas
como, por um lado, medidas do gesto entre o original e a cópia,
passos da função mimética que ao mesmo tempo
que trabalham sobre o original criam um novo original e, por outro,
linhas imaginárias estruturantes de toda a nossa experiência
da história de arte. Esta é também a forma
como o relevante se torna revelável no trabalho de Levine.
Querida, Darling, Sherrie Levine in the garden
of mirrors will I ever be a king or is there no way back after this
"this"?
[1] In Sherrie
Levine. Newborn. Philadelphia Museum of Art. Portikus, Frankfurt
Am Main, 1993.
[2] Constituída
por seis pianos de cauda pretos nos quais estão colocadas
seis esculturas idênticas, de forma oval, construídas
em vidro branco.
[3] In Sherrie
Levine. Newborn. Philadelphia Museum of Art. Portikus, Frankfurt
Am Main, 1993.
[4] In After
Sherrie Levine, Arts Magazine, Verão, 1985.
[5] Sherrie
Levine. New Photography; 1996, Genève.
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