Tudo
estava silencioso por trás do muro partido; fora dele, umas quantas
galinhas depenicavam nos montes de estrume. Depois, ouviu-se
UM SOM QUE PARA MIM ERA ARREPIANTE. Crianças. AVALANCHAS
DE CRIANÇAS, que pareciam milhares, que surgiam através de
buracos do cascalho como que atraídas por um flautista, cada uma
delas com a sua carinha, o seu destino, belas, amadas, únicas
e sem futuro. Porque já não há nada para elas. Não há terra
suficiente, nem árvores, nem animais, nem empregos; não há
suficiente dinheiro para a sua educação, os seus medicamentos,
nem sequer a garantia de um estomâgo cheio. Contudo, elas
voltarão a produzir o mesmo número de filhos - e estes
outros, e estes outros - e a compreensão física dessa matemática,
da progressão geométrica de vidas cada vez mais indigentes, fazia-me
encolher o coração de medo. Eu conhecia as estatísticas
- sabia que os recursos gastos com UMA ÚNICA CRIANÇA
AMERICANA eram suficientes para SUSTENTAR VINTE E CINCO CRIANÇAS
INDIANAS. Odiava o moralismo que exigia que o Terceiro
Mundo aceitasse (e pagasse) uma versão da protecção do
ambiente em que as árvores eram mais importantes do que as
pessoas. Quem quer que usasse electricidade ou andasse de carro
não tinha o direito de dizer aos camponeses que deixassem de abater
árvores. No entanto, eram as crianças da Índia que tornavam claro
o óbvio - independentemente das disparidades injustas e dos movimentos
do capital no mundo - SOMOS DEMASIADAS.
(...) Qualquer longínquo sofrimento que ainda pudesse sentir pelo
facto de NÃO TER FILHOS era mitigado por aquele som, que
agora se afastava gradualmente, à medida que o rio da vida regressava
à aldeia e que nós avançávamos.
Lugares
Desertos, Robyn
Davidson